I still know who you are, but I wonder who I was.

as festas vidaloka na casa dos meus amigos: eu trouxe um pacote de waffles que comprei na loja de 99 centavos, pus na torradeira e o cheiro de carboidrato caramelizando se espalhou pela casa e saiu pelas janelas abertas para os carvalhos e bétulas centenários de hampstead. eu usaria fácil um perfume disso. depois fomos tomar café. descafeinado. às 11 da noite. ouvindo álbuns solo da christine mcvie.

(depois da infância a meia idade tem sido a melhor fase da minha vida; espero que a velhice seja ainda melhor para compensar o caos maligno que foi a adolescência e o começo da adultização).

antes, à tarde, passei em clapham porque tinha que trabalhar e depois sentei no madeleine, um café afrancesado às margens do parque que eu gosto porque vive vazio durante a semana, serve café decente, tem um decór que pretende lembrar os grandes salões de chá parisienses porém em versão miniatura e mal acabada – mas aí você desce as escadas pra ir ao banheiro e passando pela cozinha escuta os meninos negros lá dentro ouvindo rádio enquanto trabalham, cantarolando em francês seus pops de batida africana. em londres. é meio mágico.

(o fato de que eles não terem instagram ou website numa cidade obcecada por imagem e povoada por hipsters metidos a foodie mas que só estão interessados no prato mais instagramável do menu também é outro grande atrativo.)

só que eu pedi um croissant de queijo e espinafre, a mocinha colocou numa prensa sem que eu percebesse e ele chegou à mesa parecendo uma pizza, o queijo torrado e duro por cima. yuck. o suco de abacaxi estava quente e as duas canelés que eu comprei pra comer no ônibus pra battersea (que virou uma selva de guindastes com todas aquelas construções de prédios chiques em volta) tinham gosto de remédio.

a grama do common estava queimada do sol. amarela feito palha. ninguém aguenta mais essa heatwave.

e à noite os waffles foram um sucesso tão retumbante que me vi sendo interrogada pra “dizer onde comprei” por pessoas que nem mesmo sabiam que a poundland vende comida.

eu sempre fico fascinada com gente que desconhece coisas comuns aos mortais, porém do lado de fora do seu cercadinho social privilegiado. pessoas que nunca andaram de ônibus, por exemplo. a sobrinha de uma amiga veio visitar londres, eu servindo de guia sugeri um passeio num double decker vermelho. ela: “vamos de táxi? eu não ando de ônibus”. informei que a idéia não era simplesmente cumprir o trajeto, mas viver a experiência, blá blá blá. ela não respondeu, mas a cara que fez me repetiu textualmente (e em itálico, pra soar enfadada): “eu não ando de ônibus”. chamei um black cab. ok, também uma experiência.

“vende comida nessas lojas?” nessas lojas. sim, as lojas que eu frequento e que vendem tudo por uma libra esterlina. yes, eles têm comida, inclusive esse pacote com seis waffles finos, porém dulcíssimos que você comeu espalhando manteiga premium e geléia fortnum & mason por cima. imaginei a geléia aristocrata (com direito a royal warrant) indignada por ter se esfregado naqueles waffles suburbanos e ri da analogia que se fez na minha cabeça imatura e entediada.

dormi ouvindo synthwave e rezando por uma chuva que não veio.

dia seguinte acordamos com os passarinhos e fomos levar o cachorro pra passear em hampstead heath. perdi minha pulseirinha de zircônia no parque e je suis désolé. fomos para o centro ver os meninos bonitos entrando nos bares gay do soho, demos pinta em chelsea onde tomei sorvete e coca cola de corner shop e terminamos a noite bebendo no noble rot, esse assassino de fígados e contas bancárias.

no domingo, ainda de ressaca e com sono, fui buscar glicose para as veias no shopping. caramel cheesecake frappuccino, hello. não tinha gosto algum de cheesecake, mas funcionou. comprei roupas de inverno em plena heatwave e vim para casa tirar o cheiro de transporte público do corpo, abrir as janelas em desespero climático, aguardar a chegada do respectivo e o jantar no melhor chinês do bairro – mas que fica numa área tão feia que do outro lado do vidro o futuro distópico que todos nós tememos já chegou.

someone pointed out that my amorino ice cream resembled something else entirely.
i am surrounded by pervs. but i like it.

Open windows.

olho lá fora e não desejo nada
estou exatamente aonde eu deveria estar
já que todo lugar em que estou é
exatamente aonde eu deveria estar
e quanto mais me divorcio de meus desejos
quanto mais abro mão do que acredito ser
mais a calma e a simplicidade se avizinham
de minha janela aberta

(x)

Rascunhos.

O serviço de meteorologia informa que a heatwave deve voltar amanhã, mas esses dois dias de interlúdio climático me restauraram a vontade de viver. E aqui temos mais uma opinião impopular que me vi forçada a admitir: eu realmente não gosto do verão. Em nenhum hemisfério.

Quando eu era mais jovem as pessoas me diziam que aquela era a melhor fase da vida e eu devia aproveitar. Por um lado eu até hoje acho que eles estavam certos; algumas coisas são, de fato, mais bonitas quando vistas através de olhos ingênuos e com o encantamento da primeira vez. Mas uma das maiores conquistas da idade adulta foi a experiência que me permitiu entender que não faz sentido querer o que os outros têm ou desejam quando eu já me conheço o bastante para saber que quero outras coisas. Que podem não fazer sentido para quem está de fora, mas deixá-las para trás em busca de uma realização “one size fits all” é garantia de frustração.

Sinto que passei os últimos três ou quatro anos da minha vida em hiato, passando a limpo os rascunhos dos meus planos para o futuro e descartando supostos “sonhos” que eu nunca realmente sonhei. Ou que talvez fossem os sonhos de infância de alguém que cresceu, mudou e ajustou suas expectativas de criança à personalidade que veio se revelando através do tempo. Perdi “amizades”, fui vista como estranha, ressentida, delusional. Tentei me enquadrar e querer e sonhar parecido com os demais e assim transformei meus dias numa interminável festa chata ouvindo música ruim, bebendo vinho morno e cercada de malas me entediando com histórias que eu não queria ouvir. I think I’m done.

Vou ali pôr algo mais confortável, queimar uma vela, chamar Tori Amos no stereo e fazer outro bule de chá. It’s finally ok to be who I am.

“There must be some other door that they are saving
behind which my happiness lies
I won’t be wasting my words
To tell you hopes that I had – we can just leave it alone, for now
.”

playlist 1:
1. acceptance – colliding by design
2. then jerico – the motive
3. jane weaver – slow motion
4. chain wallet – driving
5. trespasser william – different stars
6. hoops – cool 2
7. king – the taste of your tears

playlist 2:
1. manic street preachers – hold me like a heaven
2. ina wroldsen – sea
3. airiel – molten young lovers
4. maven grace – innocent dreams
5. lump – curse of the contemporary
6. maybeshewill – he films the clouds
7. icehouse – crazy
8. the go betweens – bye bye pride
9. the vaccines – maybe

Somewhere near Kent.

esqueci completamente o nome da village. mas em busca de bolo em uma das nossas andanças de domingo desembocamos nela. e que grata descoberta esse micro salão de chá com uma entrada tão difícil de perceber que passamos por ela duas vezes, em vão. louça descombinando, jeito de casa de avó, luminárias em forma de bule (preciso), bolo tradicional (nenhuma inserção hipster na receita, feitos para uma época onde pessoas saudáveis não fingiam que alergia a alimentos é charme) e um senhorzinho que contou metade da história da sua longa vida enquanto trazia mais água quente para encher o nosso teapot. little daily joys. that’s what life is made of. or should be.