Quando eu era criança ouvia os adultos falando de “gente vagabunda” – ou seja, sem trabalho e sem ocupação produtiva na vida. “Fulano vive vagabundeando por aí”, dizia minha mãe. A mesma palavra (vagabunda) era usada para designar “mulher da vida”, ou seja, prostituta. Eu me perguntava se todo mundo que não tinha trabalho acabava rodando bolsinha, e não entendia por que rodar bolsinha não era visto como uma ocupação – já que consumia tempo e gerava renda.
Mãe, eu acho que cresci e virei vagabunda. E não sei se existe outra coisa que eu realmente tenha vontade de ser.
Blossoms, we have them:
Não sei se entendi o conceito por trás dos espermatozóides fecundando a TV.
Amor por portinhas pintadas colorindo cidades cinzentas.
I have always envied people in their twenties/early thirties with lots of stories to tell about faraway places. “Remember that night when I got really drunk in New York and trashed the hotel room with a golf club?”, “…so one day we were completely lost wandering the streets in Casablanca without a map and no one could speak english”, “I met him when we were all high and skinny dipping on a desert beach in Hawaii…”. It’s like they have lived more than their years would have allowed them to, and I listen in awe – because most of my travelling stories seem to belong in a Trip Advisor review of an all-inclusive resort by a middle aged german tourist. Formal and boring. Thinking about it is not enough to utterly annihilate my wanderlust, but makes me wonder if I have been travelling with the wrong kind of people.
The girl is sitting on the chair next to me in a kitchen I’ve never been to, makes one or two random remarks and sounds nice enough. I decide to be bold and give it a try. Noticing her Sgt. Pepper’s t-shirt I mindlessly say, “so you like the Beatles”, and to this she replies with a cute little laugh and tells me the shirt actually belongs to her boyfriend but yes, she does like the Beatles a lot – do I like them too?
I immediately begin to conjure up some kind of euphemism less potentially rude than “sort of, but I never listened to an entire album” (which isn’t even true, I did listen to Rubber Soul from A to Z) or “they’re okay, but the songs don’t really pull at my heartstrings” or just “nope”. I go for the english equivalent of “acho legal, mas não é muito a minha praia” – and then almost as if on cue he enters the room, kiss the girl on the face (a bit too close to her lips, as I fail to ignore) and drops, “what, did she say she likes the Beatles? Liar. She detests them, she thinks they’re shite” and moves towards the fridge to get himself a beer, asking if we wanted some. She wanted some. Everybody always wants something, if he’s offering. I just manage to open my previously agape mouth to protest that I didn’t *detest* them, they were really just not “my cup of tea” (here’s again the english equivalent to the “they’re shite” that in the end I wasn’t allowed to avoid) and he laughs, handing her a bottle. “not her cup of tea… can you feel the contempt? she fucking hates them” and promptly exits, leaving me in the middle of a positively awkward situation. At least the other one got a beer for her trouble.
Why did I have to comment on her shirt, if I don’t really like the Beatles?
I don’t really do small talk and will latch onto anything in order not to drown myself and others in a silence that shows both my lack of interest and interestingness.
Why did he say that? He was still drinking his beer when, confused and angry, I hiss at him at the back garden. “I was just being playful. I don’t even like that cow. Why do you take shit so seriously? Do you want to leave?”
Por que você leva essas coisas tão a sério?
Trust me, I wish I knew the answer. I wish I knew how not to.
I don’t ask how many beers he’s had before I jump in the car, eager to get out of that place, and all along the way from the streets of Hackney back into the suburbs I gaze upon the lights on the corridors of the council states – the government subsidized apartment blocks, built to house the disadvantaged. I reflect for a while about this concept as the lights start to merge together in the rearview mirror and that ancient saturday night anguish comes crashing with a vengeance. I open Shazam to identify a song playing on the radio, he tells me the name before the app has a chance, I say thanks, put the phone back in my bag and we start discussing dog breeds – I wanted a beagle or a springer spaniel, he says they’re hard work and I should probably settle for a small, lazy type, like a maltese.
Anything not to talk about what I really want to talk about.
Days later, same car, it occurs to me.
“Can I use your own trick against you? Next time we see that Beatles fangirl I will tell her that you don’t like her, that you detest her, and then I’ll just fly the scene.”
“She knows I don’t like her. And anyway, we won’t see her again.”
“Why not? Are you going to kill her, shove the body in the car boot and dump it in the Thames?”
“Done. Can’t you smell it? But the Thames is way too crowded for fly-tipping. I was thinking the Severn; how about a night ride to Wales?”
I laugh.
“Now?”
“Now. Before the smell gets worse. I am actually going to put a Beatles record on to give a proper send off to the dead bitch.”
“Please, don’t. I detest them, remember? I think they’re shite.”
We laugh.
“Careful… She can hear you and will be back from hell to eat your brains tonight.”
“Yeah, wearing that Sgt. Pepper’s t-shirt”
“Which obviously made a lasting impression on you…”
“It’s from Primark. It’s only £9, I’m gonna have to buy one.”
I’m wearing it right now, giving a proper send off to my futile resistance.
We didn’t go to Wales that night.
But whether it’s destroying hotels rooms in Manhattan or dumping decomposing bodies into rivers on the welsh border in the dead of the night, I think you’d make a great travelling companion. The world is waiting for the stories we’ll have.
E o 6 on 6 de hoje (que no meu caso não vai ficar tão interessante como planejado: escuridão de inverno + preguiça de pegar tripé pra fotografar internas), vem mostrar um pouco dos nossos cafofos.
Minha casa já foi mais do que exposta nesse site. Já teve inclusive a sex tape e os nudes vazados e acabou fechando contrato com a BBC para um reality show. Ok, parei. Ela se tornou realidade em 2013, depois de uma longa busca por um lugar para chamar de nosso. É relativamente espaçosa porque eu moro no subúrbio e não no centro, onde os imóveis são muito mais caros.
Os planos futuros incluem uma lareira na sala (no momento o nosso boiler está pifado e a temperatura oscila em níveis siberianos), uma cozinha nova (os anos 80 já ligaram várias vezes pedindo a minha de volta), trocar os carpetes por pisos de madeira (já herdamos esses em mau estado), arrumar o jardim e… bem, talvez eu ainda esteja viva quando finalmente completar essa lista de tarefas. Casas estão sempre em transformação e jamais 100% done. Ainda bem.
Tem uma palavra nesse idioma da Rainha chamada “pottering”, que o dicionário define como “occupy oneself in a desultory but pleasant way” (se ocupar de atividades sem muito propósito, porém agradáveis). E existem poucas coisas mais agradáveis para uma criatura homebody como eu do que pôr uma música para tocar, fazer uma xícara de chá e ir vistoriar as suculentas, organizar os livros e objetos na prateleira, trazer flores do jardim e pôr num vaso, mudar a cadeira para perto de uma janela com uma vista melhor, admirar as almofadas novas, os quadros na parede, o aroma de uma vela perfumada ou um bolo assando no forno, o pequeno oásis doméstico que aos poucos vai tomando forma e simplesmente ser.
Perdemos essa linda no fim de semana, depois de 94 anos de graça, generosidade e alegria nessa terra.
Minha primeiras lembranças de você já envolvem beleza: o cabelo branquinho de algodão contrastando com a pele curtida pelo sol da lavoura, as mãos ásperas de toque suave segurando firme as minhas, pequenas e rechonchudas, para me ajudar a subir o morrinho atrás da casa e me mostrar no topo das montanhas da serra dos órgãos a silhueta do Dedo de Deus contra as nuvens.
Queria então te agradecer (já que não tive chance antes; eu, assim como todo mundo, achava que você fosse viver pra sempre), pelos ovos de galinha caseiros que você depositava fritos em cima do meu macarrão (nunca comi ovos mais amarelinhos, nem tão gostosos); pelo abraço e beijo melado na bochecha que eu ganhava assim que você me alcançava no portão e pelo chinelo enorme que você tirava do pé e colocava no meu quando eu tirava os sapatos na sala, para “não pisar no cimento frio”; por ficar de guarda na entrada do banheiro que não tinha porta, para que não me vissem fazendo xixi; pelas dancinhas no quintal ao som do violão de um filho ou outro, você rodopiando seus vestidos meio curtos de chita desbotada (os menos surrados eram para a missa de domingo); pelas inúmeras mudas de plantas que você nos dava para plantar em casa e que cresceram e continuam crescendo numa casa que já não é mais minha; por ter me ajudado a procurar minha pantera cor-de-rosa de borracha quando a perdi no meio de uma enxurrada de barro (e suportado de bom humor meus berros de desespero); pelas graças que você fazia, tirando a dentadura e mostrando as gengivas para as crianças rirem; pelo orgulho com que você me apresentava para todo mundo contando que eu, tão pequena, já sabia ler e escrever; pelas garrafas de Lindóia que você trouxe do armazém porque minha mãe não queria que eu bebesse a água do seu poço artesiano, e por engolir essa humilhação com dignidade e sem mágoa; pelos cachos de banana que você me ensinou a arrancar do pé e os bolos que fazíamos com eles na cozinha sem geladeira ou fogão, assados naquele épico forno de barro do quintal; pelas histórias de bicho-papão que sempre acabavam bem para todos – até pro bicho-papão, que no fim das contas não era tão mau assim porque até no bicho-papão você conseguia remediar a maldade. Te perdôo por tentar me arrumar namorado entre os meninos da vizinhança, tão apavorados com a idéia quanto eu, e pelas desculpas desnecessárias que você me dava pela casa humilde onde eu me sentia tão feliz e livre e amada.
Criou os filhos, os netos, os bisnetos e todos os agregados que chegavam do nada e iam ficando sem jamais se ressentir, sem jamais reclamar, sem pedir nada em troca. Nunca tratou a filha deficiente como inferior ou incapaz, aceitou outra filha deficiente abandonada por outra mãe que não conseguiu lidar e a carregou no colo até que saiu do corpinho retorcido e frágil o último suspiro. Nunca uma palavra ruim para se referir a alguém, sempre um prato de comida ou um canto de dormir para oferecer a conhecidos (e desconhecidos) que batessem à porta da casinha de pau a pique ao pé da serra, que com muito sacrifício ao longo dos anos foi se transformando em tijolo.
Quando o capitalismo descobriu aquela fonte de água mineral puríssima no seu terreno (e então eu ri do nojo que minha mãe tinha do seu poço) e quis comprar tudo eu me perguntei se eles sabiam que estavam oferecendo (pouco) dinheiro em troca de memórias de uma vida inteira, da formação de uma família, da criação de filhos, netos, bisnetos, de colheitas e criações de animais que proveram tantas mesas, de árvores mais velhas que muitas gerações que passaram sob a sua sombra, dos nascimentos e mortes e ciclos de vida que se completaram debaixo daquele teto erguido por mãos calejadas e que de vez em quando ameaçava cair. Os olhos dos filhos arregalaram diante da tentação, mas você bateu o pezinho pequeno e rachado no chão de barro vermelho que era seu e disse que pariu e criou oito filhos ali e que dali só sairia morta. Ok, parte da terra foi embora antes (em troca de um teto novo e água corrente na torneira, porque o capitalismo não desiste fácil), mas eu senti tanto orgulho de você e fico tão feliz que pelo menos essa promessa você pôde cumprir.
Te vestiram de cetim branco, te cobriram de flores brancas que se confudiam com o branco dos cabelos e encheram dois ônibus de gente que queria te dizer adeus. O sorriso com poucos dentes que iluminava o seu rosto não virá mais, mas ainda posso ouvir a risada que você deu quando eu pus uma cuia de coité na cabeça da cachorra e disse que ela era o Papa; obrigada por ter sido uma das raras pessoas nessa vida que achava graça das minhas piadas.
E em momentos como esse eu queria não ser assim tão descrente, para não ter que usar dessa licença poética fazendo de conta que daqui em diante você vai rir lá no céu com o seu querido Dutinho, companheiro da vida inteira, e com a filha que herdou a maior parte da sua generosidade e nunca saiu do seu lado. O seu coração bateu por mais alguns anos depois que o dela falhou, mas finalmente se rendeu. Que todos os vira-latas e gatos e patos e bodes e outros bichos que você acolheu e alimentou em vida venham lá da rainbow bridge te encontrar para deixar os seus dias mais alegres, assim como todas as crianças que foram um pouco ou muito suas filhas e todos aqueles a quem você amou; porque foi só amor que você deu durante todos esses anos e é só amor que você merece.
E eu vou lembrar de você sempre que olhar para o dedo de Deus, cortando as nuvens que se espalham sobre a serra e apontando o caminho que você seguiu.