6 on 6 (Winter)

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Dizem que para quem veio de países quentes o inverno no hemisfério norte é, com sorte, um “gosto adquirido”. Ou seja, você aprende a tolerar. Sem sorte, você vai passar anos se rebelando contra janeiro, reclamando do frio, dos casacos pesados, dos dias escuros que demoram a clarear e terminam logo. Especialmente nessa cidade, a chuva fina e constante costuma testar o bom humor das pessoas. Se bem que temos escapado até então (aleluia). A novidade da neve dura pouco, e depois de alguns invernos para muita gente ela se torna apenas mais uma chatice climática ao se transformar em lama ou gelo – haja cuidado pra andar na rua.

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São meses arrastados. Os dias são curtos, mas ao mesmo tempo longos. O comodismo é confortável, e entre encarar os elementos e ficar quentinha embaixo do edredon assistindo filmes, lendo e tomando chá Twinings eu… bem, acho que vocês conseguem adivinhar essa sozinhos. Graças aos meus hobbies eu nunca me entedio em casa, mas fica a sensação esquisita de estar hibernando.

A vista da janela oferece um céu cor de chumbo visto através dos galhos secos e pelados das árvores. Não é exatamente inspirador, e o berro dos gansos sobrevoando a casa em direção ao lago é um  substituto meio pobre para o canto dos pássaros na primavera.

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Lembro do quanto eu amava o inverno no Rio; os da minha infância pareciam ser mais frios do que os atuais, mas pode ser a minha nostalgia como sempre dourando a pílula. As massas de ar se deslocando na tela da TV enquanto a moça do tempo do Jornal Nacional fazia a minha felicidade ao anunciar que uma frente fria estava a caminho. Os meros 20 graus que já me motivavam a tirar casacos do fundo das gavetas; a neblina no topo das montanhas ao subir a serra em busca de mais frio ainda; cantar o jingle dos cobertores Parahyba enquanto alegremente me enrolava em um deles; assar batata doce nas fogueiras das festas juninas e beber quentão vestindo blusas enormes de lã, compradas na Rua Teresa em Petrópolis; dormir de meia e conchinha sentindo o perfume do cabelo do namorado; as sopas de galinha com arroz da mãe e os gritos dela no fim da tarde chamando para “tomar banho e se agasalhar”; a lembrança de uma menina de pijama de flanela em cima da laje de casa, numa manhã gelada de julho, extasiada com o vapor da própria respiração condensando no ar.

E de repente eu me vejo “fazendo fumacinha” com a boca aqui na rua, e mesmo depois adulta percebo que a graça é a mesma.

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O verão brasileiro, por outro lado, sempre foi um sofrimento. Detesto tudo o que se relaciona a calor, transpiro muito, maquiagem derrete, cabelo gruda na cara, minha pele fica toda manchada, me sinto arder sob o sol forte e a hipocondria me sussurando “câncer, protetor solar, melanoma, FPS 50” na cabeça o tempo inteiro. Não sinto saudade do calor e por isso não procuro passar férias em países quentes. Thanks, but no, thanks.

Aqui no momento não tem longos dias ensolarados e nem passarinhos cantando. O que tem pra hoje é neblina e gansos. But I’ll take it.

Deixo o meu chá com ponto de cruz de lado por alguns momentos, visto a meia calça fio 200 e o gorro de lã esticado cobrindo as orelhas e saio para caminhar. Ando rápido, sentindo o ar frio nos pulmões e isso espanta qualquer desânimo. Os escandinavos, que são meio loucos, têm um ritual de inverno que consiste em sair da sauna quente direto para pular no lago gelado – de preferência nus em pêlo. Acho que entendo. Cariocas apaixonados pelo sol dizem que o calor do verão faz com que se sintam vivos. Mas assim como uma chuveirada fria logo de manhã para despertar o corpo sonolento e ainda morno dos lençóis, aqui é o frio que me acorda pra vida.

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Esse é o meu décimo inverno nesse país. E se essa década de expatriada me ensinou algo foi apreciar a beleza das estações, e que cada uma delas complementa e compensa as outras. Esse é o tempo de se acomodar no ninho e fazer tudo aquilo que ficou para depois durante o verão, quando estávamos ansiosos para estar do lado de fora vivendo. Os livros que não foram lidos, os filmes, o tricô, as arrumações de gaveta, as receitas para testar, as paredes para pintar, os seriados novos pra conhecer, tudo isso entremeado com caminhadas de inverno seguidas de banhos quentinhos e noites longas sob cobertores, chocolate quente nas mãos e lareiras acesas aos pés – ou sei lá, aquecedor ligado; menos glamour, com o mesmo efeito. Hibernar sim, mas isso não precisa ser ruim.

E agora eu vou abrir a janela para deixar o ar frio e fresco entrar por uns instantes, enquanto observo os galhos das cerejeiras que plantei ano passado no jardim já cobertos de brotos – e até mesmo algumas flores. Porque muito em breve será primavera novamente e mais um inverno e suas memórias vão ficar para trás.

Esse é o ciclo da vida, e não existe nada mais bonito ou perfeito. Embrace it. ;)

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Outros invernos: Taís ❆ Paula ❅ Rita ❆ Sarah

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