Tokyo, Part II (and counting…)

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Meu dia começou com café (deus abençoe hotéis que disponibilizam chaleira elétrica e chá/café solúvel no quarto, thanks) e um melon pan comprado numa pequena padaria MARAVILHOSA perto da estação de Akihabara chamada Vie de France. Todos os dias à noite na volta para o hotel a gente passava lá e escolhia um pãozinho diferente para o café da manhã do dia seguinte; eu, claro, tentei provar TODOS, enquanto respectivo escolheu o seu preferido e repetiu várias vezes. Fiz fotos do meu breakfast na cama quase todos os dias, então tenho uma coleção de foto de pão + canequinha na soleira da janela.

Off to Harajuku, mais especificamente Takeshita dori, a rua que é o cartão postal do bairro. Na entrada da rua, logo na frente da saída do metrô Harajuku, fica esse portal meio carnavalesco com direito a telão animado.

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A DAISO deve ter sido a minha primeira parada. Eu já conhecia a filial de Dubai, que é impressionante mas não chega nem perto em termos de variedade e tamanho. Nunca visitei a loja brasileira; eis uma missão para a próxima vez que estiver por lá. A de Harajuku tinha quatro ou cinco andares, não lembro; acho que é uma das maiores filiais. Enfim, quanto mais escada tinha pra subir, mais eu ficava feliz. ♥

As comidinhas encantadoras/diferentes me entreteram por horas a fio.

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Não me animo a comer esses peixinhos secos não, mas quase comprei por motivos de: cute.

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Uma graça a Peko-chan lambendo os beiços; ela é a garota-propaganda dos doces Fujiya e eu queria muito uma bonequinha dela, mas a maioria é vintage e cara pra cacete. As balinhas no entanto custam só 100 yenes e são deliciosas.

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Arranhador de unhas pra gato. Não comprei porque a minha gata não curte arranhar nada – no momento ela apenas espera as unhas crescerem a ponto de começar a prender nas almofadas e aí sou obrigada a aparar eu mesma, enquanto a normalmente pacífica felina se torna possuída por satanás e me rasga a cara com as unhas que eu ainda não tive tempo de cortar. Tenha gatos e termine seus dias como manicure à domicílio, e a gorjeta é um arranhão no seu nariz.

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For sex to which it can relieve it”. Beautiful engrish num pacote de camisinhas com padrão de bolinhas coloridas; muito másculo e sexy, yes.

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Dadas as circunstâncias até que foi pequeno o estrago; é que o dia estava apenas começando e eu não queria carregar peso Harajuku/Omotesando afora. Essas sugar toasts na cestinha, inclusive? Paraíso. Só não comi ali mesmo porque estava organizando a logística no estômago para que coubessem os famosíssimos crepes de Harajuku:

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Sim, tem uma bola de sorvete E uma fatia de bolo dentro do crepe.

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Ok, essas aí são “comidas display” feitas de resina (outro assunto fascinante, fica pra outro dia), e o resultado final que vai parar na sua mão já todo enroladinho é um tanto menos impressionante. But still awesome.

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Os “crepe trucks” com seus letreiros kawaii e mágicas vitrines são fáceis de encontrar pela rua. Onde compramos os nossos eles tinham uma “promoção”: comprando uma bebida no café ao lado você podia comer o seu crepe sentado lá dentro. Bom para quem não gosta de comer em pé/andando ou para quem está a fim de curtir um arcondicionado no verão. :)

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E lá fomos nós, que já nascemos velhos e cansados e trocando dinheiro por conforto. O problema é que eu comecei a querer comer as comidas do café também (CÊ JURA) e acho que no fundo essa é a idéia.

Seguimos caminho por lojinhas bizarras e meio obscuras, com colecionáveis vintage e souvenirs temáticos de todo e qualquer anime que você possa imaginar.

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E não só anime: Pixar, Betty Boop, Snoopy, Disney e etc. também eram populares.

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Roupas: gostei de algumas coisas, mas além de uma bolsa e dois chapéus não comprei nada. As japonesas são geralmente baixinhas e magras; se você tiver mais de 1,70m, pesar mais de 60kg e calçar mais que 35 vai ser um tanto mais difícil achar algo que sirva direito. Resolvi nem perder muito tempo com isso, já que havia tantas outras coisas pra ver.

Algo que sempre admirei em fotos urbanas do Japão é o hábito que as pessoas têm de colocar potinhos com plantas na frente das casas. Muitas ruas não têm árvores e a arquitetura costuma ser meio reta e funcional, sem floreios; assim, talvez para suavizar a cidade, os moradores dão um jeito de trazer plantas para as fachadas, aproveitando todo e qualquer recipiente disponível. É comum ver plantas em baldes, panelas, latas recicladas de alimentos, etc. e não fica nada caótico/poluído mas sim pitoresco e singular. Achei essa lojinha de plantas no caminho e imediatamente me lembrei disso.

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Faz pouco tempo que os japoneses começaram a celebrar o Halloween, mas com o talento que eles têm para fantasias/cosplay e para encontrar a fofura no bizarro é como se eles tivessem sido feitos para isso. O Halloween japonês já é o melhor Halloween do mundo. :)

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Tinha um cocô rosa de pelúcia nessa loja.
E ele sorria. Como cocôs fazem, é claro.

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As drogarias também eram problemáticas; eu queria levar todos os cremes sem nem saber para que diabos serviam porque potinhos coloridos. ♥

“Pode comprar tudo só pra empilhar no banheiro e ficar olhando?”
“Mas e se for creme para hemorróidas?”
“WHO EVEN GIVES A FUCK??”

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Lentes de contato coloridas/estampadas/zumbi/vampíricas. Japonesas jovens são obcecadas por lentes; até compreensível num país onde todo mundo tem olho da mesma cor, mas meio triste se você parar pra pensar. Nas revistas de moda as modelos são geralmente estrangeiras brancas ou japonesas com cabelo pintado de castanho claro e usando lentes azuis/verdes. Aparentemente elas deixam de pintar depois da adolescência, quando começam a considerar casamento – os homens japoneses preferem cabelos na cor natural, que são associados a mulheres sérias e menos desafiadoras. O.o

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Takeshita-dori à noite, superlotada… E olha que fui num sábado; domingo de manhã a gurizada das tribos urbanas capricha na montação e circula para ver e ser vista. Na próxima eu estarei lá. \o/

Já era noite e fomos procurar um lugar pra comer. Esse aqui era bem tradicional:

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Eu pedi esses noodles que são servidos com gelo por cima (eles têm um nome específico mas eu esqueci, sorry) e esse caldinho de legumes; a idéia é mergulhar os noodles frios no caldo quente e fazer “slurp, slurp”, mas eu não consegui ver graça, infelizmente. Essa foi a única refeição decepcionante de toda a viagem, então estou no lucro.

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“Scallop seawater damage.” I can’t even begin to try.
Diante da magnificência deste engrish eu encerro o post.

(A primeira parte está aqui e tem umas fotos aleatórias aqui.)

Desimportâncias do dia.

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Diziam que essas pequenas só floresciam uma vez. Acreditei, mas tive pena de jogar fora depois que as primeiras flores morreram (são da família das suculentas e necessitam de pouca água). Outro dia fui regar e percebi que havia botões. Essa semana, contrariando as expectativas, floresceram novamente.

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Janeiro é um mês quase sempre longo, mas esse está correndo. Para fazer o tempo passar mais devagar, chá. Que curiosamente também funciona para passar o tempo que se arrasta.

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Biscoitos do Moomin.
Uma história escrita por uma finlandesa que fez sucesso no Japão e ganhou seu próprio mangá/anime. Não lembro onde comprei esses biscoitos, se em Tóquio ou aqui mesmo. Mas sei que são mais cheirosos do que saborosos (não que sejam ruins, não mesmo) e a latinha é uma graça.

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Coisas simples que procrastino: lavar meus pincéis de maquiagem. Na verdade eu não sei usar pincéis de maquiagem. A primeira vez que usei depois desse banho com água morna e shampoo eles deslizaram tão macios que me arrependi de ter demorado tanto para lavar; eles estavam praticamente me arranhando a cara antes.

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Os galhos sem folhas do carvalho contra o céu me lembram os brônquios de um grande pulmão.

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Vigésimo segundo dia de 2015.
Que ainda não disse a que veio, mas de certa forma já sinto como se fosse outro milênio.

A brief eulogy.

Liguei pra velha ontem e fiquei sabendo que a dona Elzir morreu. Enterrada no dia do meu aniversário, aparentemente; minha mãe não tem certeza. Enfim. Não fiquei exatamente chocada porque era esperado. Há anos ela mal levantava da cama, se locomovia com dificuldade (e raiva do fraldão geriátrico) e estava deprimida. Os filhos foram cuidar da própria vida e as visitas rarearam. Ela se queixava de solidão. Minha mãe morria de dó, mas também não visitava sempre porque é muito difícil estar com uma pessoa deprimida; a energia é sugada muito rápido e às vezes a gente precisa ter cuidado para não acabar deprimindo junto.

Lembrei daquelas festanças de natal e ano novo na casa dela, que minha mãe invejava a ponto de choramingar em cima do prato de peru com farofa. Lá em casa éramos só nós três. Por muitas vezes, depois da nossa ceia (no horário comum de jantar de todos os dias) ela também ia para a ceia deles (à meia noite, conforme o costume absurdo brasileiro). Eu devo tê-la acompanhado umas duas vezes e de fato era tudo muito animado; crianças da minha idade, música alta, comida, risadas e, dependendo do clima, as pessoas acabavam se atirando na piscina – que eu vi ser construída e onde quebrei um dente.

Era legal, sim, mas sei lá, eu não tinha inveja. Eu gostava da minha casa. Da quietude, de que a minha música não precisava estar no volume dez para competir com o barulho, de receber feliz natal da vizinha do lado por cima do muro, se sentar no terraço olhando o céu e ouvindo a algazarra na vizinhança (eu podia estar lá sem ter que estar), da comida da minha mãe, de ficar balançando na rede da varanda ouvindo discos do Roberto Carlos, de assistir os especiais de natal na televisão sentada no sofá dando rabanada para a cachorra e, apesar de ser divertida a gritaria e a correria com as outras crianças, na minha casa eu não tinha que aturar as brigas nas quais elas acabavam se metendo, as brincadeiras estúpidas (numa delas quebrei o tal dente) e nem precisava dividir a minha comida e a minha piscina, que inclusive era maior, com ninguém. De onde se conclui que eu já nasci velha, egoísta e sem paciência para dramas alheios. :)

Incontáveis foram as manhãs que passei sentada na mini biblioteca que eles tinham em casa (com três filhas professoras era óbvio que os muitos livros didáticos e de literatura infantil precisavam de um espaço só deles, para evitar o caos), lendo compulsivamente qualquer coisa que pudesse ser lida enquanto minha mãe não vinha me buscar. Muitas vezes eu simplesmente “acordei” ali, tendo sido levada nos braços adormecida e ainda enrolada no cobertor (eram vizinhas de frente; bastava atravessar a rua) quando minha mãe precisava sair muito cedo e me deixava sob os cuidados da Elzir, meio gordinha, bonitona e animada, cabelo cor de laranja bem tratado e unhas impecavelmente vermelhas. Os cafés da manhã sempre contavam com bolo ou pão na chapa quentinho, que eu comia sentada na mesa da copa com as pernas ainda enroladas no cobertor de casa mas já com um livro no colo. “Pare de ler pra poder comer, menina!” ela ria, mas eu amava comer lendo e o hábito se cristalizou de tal forma que hoje em dia eu acho estranho ler qualquer coisa sem comer ou comer qualquer coisa sem ler.

Ela usava uns macacões de tecido estampado e sandálias abertas, porque os pés sempre foram um problema. Sempre ia fazer compras num supermercado fora da cidade (ela dizia que os preços eram melhores; eu e minha mãe duvidávamos) e muitas vezes fomos todas juntas, a Elzir dirigindo o seu fusquinha cor de tijolo sem muito cuidado pelas estradas mal conservadas da Baixada.

Da última vez em que estive no Rio eu fui com a minha mãe visitá-la; a dona Elzir queria me ver. Ela veio se arrastando, beeem devagar, para abrir o portão e por trás dele encontrei quase inalterado o enorme quintal onde passei a infância brincando e subindo nos pés de amora e goiaba (esses não existem mais). Ela já estava viúva há muitos anos e a garagem vazia não mais abrigava a velha picape do seu Haroldo, que passou a vida sujo de graxa e consertando carros. Sentei no banquinho de balanço, feito de ferro retorcido e pintado de branco que ainda morava na varanda com aquela mesma almofada fina demais para ser confortável (os ferros cortavam a bunda da gente) onde devo ter me balançado por anos da minha vida, enquanto ouvia a dona Elzir reclamar da dor nas pernas me servindo bolo de banana com suco de manga e café – era impossível ir à casa dela sem ser entupida de comida gostosa.

Tentei evitar carboidratos naquela visita, mas ah, aquele almoço. Naquela copa onde, provavelmente com a boca cheia de pão, eu li o primeiro livro de verdade da minha vida. Uma das filhas fez um prato que envolvia batatas e depois fomos assistir TV no ar condicionado do quarto. Alguns netos chegaram, as crianças que um dia brincaram comigo e me empurravam na piscina trazendo suas esposas e noivas, e tudo foi ficando meio surreal. Era o meu passado voltando numa versão atualizada e me fazendo sentir a idade de um jeito estranho. Tendo saído do país eu não convivo com muitos contemporâneos no meu dia-a-dia, e é sempre curioso me dar conta de que não foi só pra mim que o tempo passou.

Mas passou sim, o tempo, para todos nós, e levou a dona Elzir, e eu provavelmente nunca mais vou entrar naquele sobrado verde claro quadradão, com telhas portuguesas e um azulejo cafona com a figura de São Jorge colado na frente. Fui olhar pra ele no google maps e me dei conta de que não é mais verde, foi pintado de amarelo. Isso, por alguma razão, me entristeceu. Mas me consolou ter feito essa última visita, sentado naquele balanço, comido aquele segundo pedaço de bolo e acenado com um sorriso à distância quando ela me disse pela última vez, exatamente como quando dizia ao me devolver para minha mãe décadas atrás: “beijos, minha querida; até a próxima”.

Crap days out.

2015 começou sendo tudo o que 2014 não foi (yay), só que no mau sentido (shit). Ou seja: frio, cinzento e chuvoso. Também não tive muito tempo ou inspiração pra blogar, já que começo de ano é hora de organizar papelada e supplies para os journals e fazer limpeza de gavetas. A faxina acabou se estendendo para gavetas de roupas e o que não foi parar no lixo foi parar em sacos para doação.

Domingo fui fazer uma pesquisa em Theydon Bois, uma localidade residencial em Essex. Fica no meio da floresta da Epping e é bem bonitinho; me animei pensando em dar um passeio pelas redondezas, tomar um café, fuçar as lojinhas, essas coisas de gente velha e sem vida social.

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Carona pra estação, porque né.

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Aguardando. Tive que fazer uma baldeação chata e demorada no metrô, mesmo que eu não tenha saído da linha Central. Várias estações se passaram sem que UMA única alma adentrasse o meu vagão. Creepy. Por sorte nessa área a linha de metrô não é subterrânea e eu tinha pelo menos uma vista bonita e ensolarada da janela: campos verdejantes cobertos de ovelhas e cavalinhos usando casaco – porque cavalo é um bicho chato e resfria à toa. Não, não tinha vaca porque em Essex quase não tem vaca. Não sei explicar.

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Muitas roças.

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Falei que era roça: cavalinho de casaco atrás da estação.

Enfim, terminada a pesquisa eu fui caminhar, e foi quando percebi que seria um equívoco por motivos de: a) mais frio do que eu esperava e b) não tem nada em Theydon Bois. Sério. Além do pub, restaurante indiano, restaurante “grill”, Tesco Express, agência imobiliária e a própria estação de metrô, não tinha muita coisa além um gigantesco green (praça gramada) vazio e casas.

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Depois fui entender por que não havia ninguém no gramado: ele era um pântano. Num momento você estava pisando na grama; em outro, no piscinão de Ramos. Quase me afoguei pra fazer essas fotos de bosta, olha só como eu mereço cinco estrelinhas.

Pensei em tomar uma pint no The Bull, mas desanimei.

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Bota (favorita, tanto que está abrindo na lateral) cheia de lama depois do passeio pelo Pantanal. Joinha.

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Já meio entorpecida de tédio abandonei a área em direção a um CEP no leste da cidade: Wanstead. Cafés! Livrarias! Bares! Floriculturas! Praças com crianças andando de bicicleta! Mercadinhos de rua! Cocô de cachorro na calçada! Ah, a civilização…

Lá pude cobiçar esse quadro da Princesa Lea tatuadona e badass:

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E este aqui, com Batman e Superman vivendo um “bromance” digno de final de novela cheia de polêmica no Twitter:

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Mas nem tudo foi perdido em TB (as in Theydon Boys, não “tuberculose”). Teve céu azul, teve verde, teve um rolê dentro da loja de conveniência que me proporcionou um pacotinho de torresmo para comer na viagem, eu planejo voltar para passear na floresta ali perto quando o tempo melhorar um pouco e agora eu sei que NÃO É pra pisar na grama depois de um longo período de chuvas. Quem sabe no verão seja possível fazer piquenique no gramado? E o melhor, tendo a jamais desagradável companhia de patinhos:

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Quase escorreguei e caí no lago pra fazer essa foto. Ainda no aguardo das estrelinhas.

Livro na Oxfam de Wanstead que deu nome ao post. Em tradução livre, “programas de índio” (mais apropriado seria “passeios de bosta”). Hahaha. Define bem o dia.

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Quase levei, só pela capa (e ok, o conteúdo parecia engraçado). Mas QUATRO libras, Oxfam? Ouch. Por esse preço eu acho livro novo na Amazon.

E aí, qual foi o seu último programa furado? :)

6 on 6 (Winter)

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Dizem que para quem veio de países quentes o inverno no hemisfério norte é, com sorte, um “gosto adquirido”. Ou seja, você aprende a tolerar. Sem sorte, você vai passar anos se rebelando contra janeiro, reclamando do frio, dos casacos pesados, dos dias escuros que demoram a clarear e terminam logo. Especialmente nessa cidade, a chuva fina e constante costuma testar o bom humor das pessoas. Se bem que temos escapado até então (aleluia). A novidade da neve dura pouco, e depois de alguns invernos para muita gente ela se torna apenas mais uma chatice climática ao se transformar em lama ou gelo – haja cuidado pra andar na rua.

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São meses arrastados. Os dias são curtos, mas ao mesmo tempo longos. O comodismo é confortável, e entre encarar os elementos e ficar quentinha embaixo do edredon assistindo filmes, lendo e tomando chá Twinings eu… bem, acho que vocês conseguem adivinhar essa sozinhos. Graças aos meus hobbies eu nunca me entedio em casa, mas fica a sensação esquisita de estar hibernando.

A vista da janela oferece um céu cor de chumbo visto através dos galhos secos e pelados das árvores. Não é exatamente inspirador, e o berro dos gansos sobrevoando a casa em direção ao lago é um  substituto meio pobre para o canto dos pássaros na primavera.

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Lembro do quanto eu amava o inverno no Rio; os da minha infância pareciam ser mais frios do que os atuais, mas pode ser a minha nostalgia como sempre dourando a pílula. As massas de ar se deslocando na tela da TV enquanto a moça do tempo do Jornal Nacional fazia a minha felicidade ao anunciar que uma frente fria estava a caminho. Os meros 20 graus que já me motivavam a tirar casacos do fundo das gavetas; a neblina no topo das montanhas ao subir a serra em busca de mais frio ainda; cantar o jingle dos cobertores Parahyba enquanto alegremente me enrolava em um deles; assar batata doce nas fogueiras das festas juninas e beber quentão vestindo blusas enormes de lã, compradas na Rua Teresa em Petrópolis; dormir de meia e conchinha sentindo o perfume do cabelo do namorado; as sopas de galinha com arroz da mãe e os gritos dela no fim da tarde chamando para “tomar banho e se agasalhar”; a lembrança de uma menina de pijama de flanela em cima da laje de casa, numa manhã gelada de julho, extasiada com o vapor da própria respiração condensando no ar.

E de repente eu me vejo “fazendo fumacinha” com a boca aqui na rua, e mesmo depois adulta percebo que a graça é a mesma.

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O verão brasileiro, por outro lado, sempre foi um sofrimento. Detesto tudo o que se relaciona a calor, transpiro muito, maquiagem derrete, cabelo gruda na cara, minha pele fica toda manchada, me sinto arder sob o sol forte e a hipocondria me sussurando “câncer, protetor solar, melanoma, FPS 50” na cabeça o tempo inteiro. Não sinto saudade do calor e por isso não procuro passar férias em países quentes. Thanks, but no, thanks.

Aqui no momento não tem longos dias ensolarados e nem passarinhos cantando. O que tem pra hoje é neblina e gansos. But I’ll take it.

Deixo o meu chá com ponto de cruz de lado por alguns momentos, visto a meia calça fio 200 e o gorro de lã esticado cobrindo as orelhas e saio para caminhar. Ando rápido, sentindo o ar frio nos pulmões e isso espanta qualquer desânimo. Os escandinavos, que são meio loucos, têm um ritual de inverno que consiste em sair da sauna quente direto para pular no lago gelado – de preferência nus em pêlo. Acho que entendo. Cariocas apaixonados pelo sol dizem que o calor do verão faz com que se sintam vivos. Mas assim como uma chuveirada fria logo de manhã para despertar o corpo sonolento e ainda morno dos lençóis, aqui é o frio que me acorda pra vida.

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Esse é o meu décimo inverno nesse país. E se essa década de expatriada me ensinou algo foi apreciar a beleza das estações, e que cada uma delas complementa e compensa as outras. Esse é o tempo de se acomodar no ninho e fazer tudo aquilo que ficou para depois durante o verão, quando estávamos ansiosos para estar do lado de fora vivendo. Os livros que não foram lidos, os filmes, o tricô, as arrumações de gaveta, as receitas para testar, as paredes para pintar, os seriados novos pra conhecer, tudo isso entremeado com caminhadas de inverno seguidas de banhos quentinhos e noites longas sob cobertores, chocolate quente nas mãos e lareiras acesas aos pés – ou sei lá, aquecedor ligado; menos glamour, com o mesmo efeito. Hibernar sim, mas isso não precisa ser ruim.

E agora eu vou abrir a janela para deixar o ar frio e fresco entrar por uns instantes, enquanto observo os galhos das cerejeiras que plantei ano passado no jardim já cobertos de brotos – e até mesmo algumas flores. Porque muito em breve será primavera novamente e mais um inverno e suas memórias vão ficar para trás.

Esse é o ciclo da vida, e não existe nada mais bonito ou perfeito. Embrace it. ;)

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Outros invernos: Taís ❆ Paula ❅ Rita ❆ Sarah

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A lot can happen in a year.

Passei a virada do ano como prefiro: à base de champanhe e comida chinesa. Achamos nos 45 minutos do segundo tempo uma mesa disponível no restaurante, quando eu já havia desistido e me preparava para a festa do pijama. A noite não começou 100% depois que amarguei (mais) algumas esnobadas, mas que por sorte foram as últimas do ano. Risos. G passou pra desejar feliz Ano Novo (adoro a pessoa chamar um desvio monumental de caminho de “passada”, mas eu estava mesmo precisando me sentir importante, então não reclamo). Me deu dicas de maquiagem e foi embora pra casa dele, para a qual fomos convidados mas dessa vez eu não quis terminar o ano sendo um peixe fora d’água – ou, mais precisamente, o peixinho dourado de pet shop num aquário de luxo, cheio de espécies exóticas de peixe beta. Poderia ter sido melhor se eu tivesse ido pras highlands; mas dadas as circunstâncias também poderia ter sido pior.

Apesar de tudo o último dia de 2014 foi, de modo geral e do meu jeito, lindo. Acordei cedo e o mundo estava BRANCO; não de neve, mas de frost, que eu acho quase tão bonito quanto. Fui sozinha pro shopping aqui perto onde tomei o café da manhã perfeito (bolo victoria sponge + chai latte) e voltei pra casa pra um banho rápido e me mandar pro centro a fim de entregar uns documentos e respirar um pouco de ar de metrópole. No Oriental Market em Bayswater comi onigiri de salmão, pork bun e bebi cerveja na calçada. Lá também comprei duas sacolas de junk food – ou seja, janeiro está garantido. Atravessei a rua e fui pra Casa Brasil comprar uma caixa de guaraná zero e uma BACIA de Paçoquita. ♥

Eu realmente gosto daquela área, colada no aristocrático Hyde Park mas abundante de “glamour paraguaio”: a bagunça de restaurantes étnicos, lojinhas de tralhas para turistas, árabes fumando shisha na calçada e turcos gritando usn com os outros na rua, estudantes coreanas lindas feito bonecas de biscuit circulando com seus copos de bubble tea, brasileiros de jaqueta jeans e tênis Nike discutindo o preço do aluguel na mesa do self service, a charmosa cúpula do Whiteleys (primeira loja de departamentos de Londres, onde a Eliza Doolittle vai tomar seu banho de loja em My Fair Lady) no fim do quarteirão e as delicatessens do mundo inteiro para servir às prostitutas russas e tailandesas com saudades da comidinha de casa e que populam os apartamentos ao lado da estação do metrô para atender executivos. Era pra ser um lugar deprimente, mas que nunca falha em me fazer sentir viva e parte de um ecossistema maior que a soma dos meus mimimis.

Passei pela Westminster Bridge, já lotada de gente àquela hora. Esse ano o prefeito resolveu cobrar ingresso da multidão porque não descolou patrocínio, mas dá pra ver os fogos de diversos pontos da cidade. Parei e olhei pro Big Ben, que está ali badalando os Westminsters Quarters há 150 anos e pondo os meus pequenos e transitórios problemas em perspectiva; agradeci por ter sobrevivido a um ano onde tanta coisa deu errado. Fiquei ali um tempo até as multidões começarem a me irritar e agradeci à cidade por ter sido a minha companhia em 2014, por ter me recebido daquele jeitão meio bruto de metrópole mas de braços abertos nonetheless, e me presenteado com história, energia, comidas, diversão, cultura, arte e beleza desde 2011.

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Esse momento emo como sempre me lembrou de Under the Bridge do Red Hot Chilli Peppers

sometimes I feel like my only friend
is the city I live in, the city of angels
lonely as I am, together we cry

Mas sem a parte da solidão e do chororô, porque não consigo me sentir sozinha aqui. Eu tenho esse costume, nascido da introspecção, de forjar relações estreitas com lugares, e considero aqueles onde vivi e alguns onde não vivi (ainda) como amigos. De verdade. Temos uma história juntos, temos fases ruins em que ficamos “de mal”, temos fases de extremo encantamento babão, amor, ódio e indiferença, reclamações e declarações. Como eu poderia vê-los apenas como coordenadas geográficas ou pontos num mapa quando eles me deram algumas das minhas melhores experiências e serviram de cenário para as minhas mais preciosas lembranças?

Sempre dou um “olá” mental para os meus parques, prédios, vistas, bairros, praças, praias, montanhas e monumentos favoritos. Depois de um tempo longe, voltar a esses lugares é como reencontrar um amigo; muitas vezes até mais intenso. A primeira manhã em que saí de casa depois de voltar para Londres ao fim de uma temporada especialmente calorenta e triste no Brasil: The Shins no mp3 player, botas pela primeira vez no ano e o conforto do frio, atenuado pelo casaco, que me envolveu e desejou boas vindas. Sério. Eu quase pude ouvir. Na impossibilidade de abraçar aquela manhã de janeiro eu abracei o meu casaco de brechó, percebendo nele o cheiro do meu perfume preferido. “I’m home”. E a manhã respondeu, “Yes, you are. Welcome.” Ou me sentar na mureta da Urca numa manhã de domingo, a aspereza do granito arranhando a pele como se fosse um carinho e o abraço do vento fresco que vem do oceano. Quase posso ouvir um “você está aqui”, sussurado por entre um sorriso. E sorrindo, quase respondo, “sim, estou”.

E ao contrário de alguns amigos, os meus lugares sempre estarão aqui. Para voltar para mim e para que eu volte para eles.

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Fui então pra casa comer minhas porcarias com cerveja francesa barata que nem nome tem e ver filminhos com Respectivo até a hora de sair pra encerrar um ano que ficou devendo, mas que, no fim das contas, ainda manteve o crédito.

Obrigada por mais um, London. I wish us all a Happy New Year.