Two days with a teutonic touch

Semana passada estive na Alemanha, terrinha boa que pude chamar de lar temporário durante o ano de 2007, e logo em seguida estiquei as pernas para a Bélgica – a cidadezinha de Bruges, mais especificamente, que estava há tempos na minha wishlist turística mas só agora o projeto saiu do papel.

Como a viagem foi feita de carro atravessamos a poça d’água via Eurotunnel, uma espécie de passagem mágica entre duas dimensões: adentra na Inglaterra e desemboca na França, um universo paralelo com placas naquele idioma chato, restaurantes que fecham cedo e por favor não se esqueçam de que agora é preciso dirigir do outro lado da rua. Seis horas e meia mais tarde, depois de enfiar 200km/h na autobahn, estávamos em Hannover.

Da série Embalagens Bacanas: sal numa loja de conveniência na Bélgica. Também da série Por que não comprei?

O dia ainda estava claro, então nos dirigimos para a hauptbahnhof (estação central). Em 2007 eu fiquei encantada com as grandes estações de trem da Alemanha. O movimento é ininterrupto, pessoas chegando, pessoas indo, pessoas circulando, muitas lojas, galerias, restaurantes, cinema, etc. É como se fosse um shopping center, com a conveniência de ter todos os meios de transporte disponíveis ali mesmo. Batendo o tédio num dia frio/chuvoso e você com fome, querendo comprar um livro, um casaco, assistir um filme ou simplesmente sentar com uma cerveja na mão e ver a vida passar, a estação não é má pedida. Muitas vezes os supermercados dentro delas eram os únicos abertos aos fins de semana.

Depois fomos jantar no Piazza Cappuccino, um italiano pequenino e muito bom em Lister Meile, quase ao lado do apartamento onde moramos. O staff é gente boa e você só é estranho ali uma vez; se voltar uma segunda, vira parte da família. Gotta love italians. ♥

Juro que isso aí não foi uma tentativa de “foto artística da fachada”; foi apenas a combinação foto noturna de celular + tempo chuvoso (porque é claro que choveu quando estávamos saindo).

Depois de uma noite mal dormida (não sei dormir com um travesseiro só; desculpa) acordei e fui checar o café da manhã. O desjejum dos hóspedes acontecia no conservatório, que ficava um pouco abaixo do nível do pátio e eu pude apreciar a luz matinal e as azaléas no jardim.

Tentando ser o mais low carb possível: sausages + ovos mexidos + frios + esse potinho de patê que, na impossibilidade de torradas, eu comi de colherzinha, mesmo. Tarra bão.

Saí pra passear pela cidade e foi aí que as coisas começaram a dar errado. A minha câmera não quis ligar e as suspeitas recaíram sobre bateria. Andei até a estação e me encaminhei à McPaper em busca de cadernos com folhas “quadriculadas” (?) ao invés de pautadas, que são meus preferidos e meio difíceis de achar na Inglaterra. Enquanto procurava, uma funcionária da loja me atrapalhava arrumando prateleiras compulsivamente. E ela parecia estar me seguindo; bastava eu mudar pra outra prateleira para que ela começasse a arrumar os produtos que eu estava olhando. Fiquei meio puta com aquilo, mandei um suspiro de uns 300 mil decibéis e me encaminhei ao caixa, no caminho pegando uns adesivos de frô e tacando na cestinha pra aproveitar a viagem.

A mesma funcionária veio me atender. Meti alegremente o EC card, cartão de débito local que respectivo me emprestou para usar durante a estadia – na Alemanha a maioria das lojas não aceita cartão de crédito, menos ainda internacionais; um pé no saco para turistas. Qual não foi minha surpresa quando a criatura, depois de o cartão ter sido aprovado, pediu que eu ASSINASSE o recibo ao invés de digitar o PIN. Danou-se. Eu não me chamo Respectivo e nem sei falsificar a assinatura dele. Constrangimento. Eu até teria como explicar a situação, mas a moça obviamente não falava inglês e o meu alemão não dá para tanto. Dei de ombros e rabisquei qualquer coisa no recibo; em todos esses anos de consumidora compulsiva no Brasil e na Inglaterra nunca vi ninguém conferir.

Nunca tinha visto, né. Fuck.

A moça começa a agitar os braços e rosnar naquela língua miserável, que transforma até mesmo um “a senhora gostaria de um café com rosquinhas enquanto eu ligo para a polícia?” num palavrão mais cabeludo que as costas do Tony Ramos. Apenas fiz cara de Cleopátra repetindo sem parar “Eu não compreendo. Eu não falo alemão” em alemão e repetindo mentalmente “chama a polícia logo, minha filha, que meu tempo aqui é curto e talvez ELES saibam falar inglês…” Por fim ela deve ter se cansado, repetiu o mesmo suspiro que ouviu de mim (só que uns 300 mil decibéis mais alto) e grunhiu “THAT’S OK”.

“That’s ok”? “THAT’S OK????”! Todo esse barulho pra nada?? E eu fiz o quê? Eu ri, né. Peguei minha sacolinha, acenei pra platéia e saí de cena sem voltar pro bis. Minha querida vendedora: o dia em que eu roubar o cartão e o PIN de alguém para fazer compras pode ter certeza que eu vou entrar na Prada – e não numa papelaria de rodoviária pra gastar DEZ EUROS em adesivo, beijas.

(mentira, vou entrar em papelaria sim)

Inhaí, Ernst-August, tutu bem? Quanto tempo! Como vai o cavalo? O sistema bancário do seu país continua um cocô arcaico; vamos estar resolvendo isso?

Bom, obviamente eu ia ter que sacar dinheiro porque usar o cartão nas lojas estava fora de questão. Saquei e, agora cheia de munnies, saracoteei pelo centro; entrei em lojas de departamento (Kaufhoff e Karstadt), de produtos eletrônicos (Saturn), comprei um bilho labial da Labello sabor melancia na Rossmann, curti o sol frio de primavera e invejei as pessoas sentadas pelos bares, mesas nas calçadas, tomando café com bolo. Essa é uma das memórias mais bacanas que eu tenho de Hannover.

Galera super animada para a páscoa, inclusive:

Achei esses bichinhos uma graça e não sei por que não comprei os coelhinhos pequenos, que custavam cerca de 1.50 euros cada. Não que eu tenha filhos ou necessidade de decorar uma mesa de páscoa, mas what the hell, ano que vem eu poderia fazer isso para mim mesma. Acho bacana as pessoas aqui se darem ao trabalho de enfeitar a casa para essas ocasiões. No Brasil TUDO (seja carnaval, natal, páscoa, ano novo, aniversário ou casamento) se resume a piscina, churrasco e cerveja. Por um lado é econômico e democrático, mas acaba sendo também meio desinteressante…

Também achei (e quase comprei) essa camiseta na C&A:

Acho que a idéia era reproduzir text-speak para SEE YOU LATER – mas digamos que em português essa camiseta estaria, erm, aberta a novas interpretações…

Comprei mais uns cadernos e uma caneta e, meio chateada por não poder usar minha câmera para fotografar, voltei pro hotel. Fui escrever no planner com a caneta nova, uma Pilot Frixion 0.38mm, e ela imediatamente parou de funcionar. Fuck my life. Procurei o recibo para ir trocar na loja e descubro que foi JUSTAMENTE a parte de baixo daquele recibo (onde estava a data da compra) que eu havia rasgado pra limpar o bico sujo de lama do meu sapato. OLHA.

Fiquei com tanto ódio que andei de volta à estação, tomei um sorvete de banana caramelada na Coliseum e depois comprei um bolinho de limão (na DROGARIA, veja bem), trouxe pro hotel e comi inteiro. Combatendo frustração com carboidrato: sempre. ♥

Chegando no BroyanHaus, em Altstadt (old town) para jantar. O sol estava se pondo e a luz do fim de tarde às vezes tem uma qualidade diferente, meio mágica, quase fora desse mundo. Acho que o cenário ajuda, no entanto.

O Broyan Haus (“a casa do Broyan”) é um restaurante de comida típica alemã; um pub funciona na parte de baixo do que era de fato a casa do Broyan (um mestre cervejeiro, que confeccionava a birita ali mesmo) e alguns degraus acima você viaja no tempo ao encontrar um espacinho bacana – não apenas por ser pequeno – e com jeitão de estalagem da idade média. Tanto a cerveja quanto a comida são muito boas, o preço é super amigo e você vai realmente se sentir na Alemanha.

Havia um grupo de senhoras numa mesa enorme, possivelmente celebrando um aniversário, que praticamente secou os barris de cerveja do restaurante. Prost! (“saúde”, em alemão)

Pedi o spanferkel (leitão com molho de cerveja preta) acompanhado de chucrute (que é uma comida polêmica; se for mal feito tem gosto de vinagre e se for bem feito, como esse, tem gosto de PARAÍSO) e batatas fritas na panela ao invés de deep-fried (bratkartoffeln) com o luxuoso acompanhamento de floquinhos de bacon. Ah, tem floquinhos de bacon no chucrute, também. Tem floquinhos de bacon em tudo. ♥

Saí de lá e fui matar a saudade do cappuccino do ExtraBlatt. Continua perfeito e ainda acompanhado daquele biscoitinho desgraçadamente viciante. Considerei pedir outro café só pra ganhar mais um biscoito; admito já ter feito isso no passado, mas dessa vez me contive. Voltei a pé para o hotel cruzando ruas semi-desertas, a luz na vitrine lojas fechadas, sensação de total segurança.

Eu realmente gosto de Hannover, mas quando morei lá ainda vivíamos em Jersey e, em comparação, a Alemanha me parecia o paraíso cosmopolita das compras. Depois de três anos de Londres full time eu achei a cidade menor – mas ainda bonita, civilizada, as ruas agradáveis e não tão superlotadas quanto aqui; os preços continuam justos e a comida excelente. Chorei na Butlers querendo levar tudo pra casa e esqueci de ir passear na galeria nova que abriu no centro, perto da estação; mas well, eu voltarei. O único inconveniente continua sendo aquela chateação de sempre com o cartão de crédito. Enfim. Nada (ninguém e nenhum lugar) é 100% perfeito.

No dia seguinte fiz algo que me esqueci de fazer durante todo o ano de 2007: uma foto-de-turista diante do cavalo do rei Ernst-Augustus. :) E depois de um mini passeio já era hora de pegar a estrada de novo para Bruges.

See ya, Hannover. Se tudo der certo estarei de volta no outono para ver o Eilenriede mudar de cor novamente.
You’ll always have place in my little hardened heart. ♥

We can beat genetics, adopting new aesthetics

Eu uso, sim. Mas não gosto muito de maquiagem. Não gosto de me sentir obrigada a melhorar o meu aspecto para o mundo, porque quase sempre acho que o mundo não vale o esforço e fico ressentida por me esforçar assim mesmo. Não tenho prazer em perder aqueles 10 minutinhos antes de sair de casa tentando photoshopar a minha cara com BB cream e corretivo. Não tenho prazer em gastar dinheiro com maquiagem, nem mesmo quando a embalagem é bonita. Não me acho special snowflake ou melhor do que ninguém por conta disso, mas também não compro totalmente o discurso de que “não tem nada a ver com opressão e mito da beleza, uso maquiagem porque gosto” quando na verdade o truque do sistema é justamente nos fazer acreditar que gostamos para não questionar suas estruturas. Não há nada de errado em querer apresentar a sua melhor versão para o mundo, mas por ser mulher eu sou mais julgada pela minha aparência que um homem – que só precisa estar limpo para estar na sua melhor versão.

Esse é o cantinho bonitinho onde eu tento me consertar antes de sair de casa. Esse é o espelho que recebe a minha versão em rascunho e assiste à transformação (não muito radical, diga-se) na versão arte-finalizada, com menos olheiras, manchas de sol, com cílios mais longos e bochechas coradas. Me sento diante dele eu mesma e me levanto vagamente impostora. E gostaria de não me importar em agradar a uma platéia que na maioria das vezes nem estará prestando atenção, mas me importo. Então, que pelo menos, o teatro seja agradável. E o batom bonitinho. :)

Like a glow worm in a jar

Meio dia, two brown girls and a white boy pelas ruas de London City, o coração cinza pulsante do centro financeiro. Rapazes de gravata e gel no cabelo esbarrando em loiras high maintenance de terninho e tênis que atravessam a rua ignorando o sinal aberto para os carros. As mechas no cabelo da moça parada em frente à estação segurando um copo de café do Starbucks devem ter custado uma fortuna para parecer tão naturais. Os rapazes andam quase sempre em dupla. “Eles são mórmons?” brinca uma menina; a outra até tenta rir, mas está preocupada porque o céu escurece, vai chover, já está chovendo e ela não trouxe o guarda chuva. As moças andam de mãos dadas, embora uma delas não goste (mas não reclama). O rapaz cantarola uma música antiga, as mãos enfiadas no bolso do sobretudo de onde um fone de ouvido tenta escapar. Uma das meninas é bonita; a outra às vezes gostaria de ser invisível. Ela acredita que está se tornando cada vez mais cinza, mimetizando com a cidade e talvez em alguns anos finalmente atinja seu objetivo.

O sol fraco faz o que pode para atravessar as nuvens ainda pesadas depois de uma chuva rápida, mas que trouxe granizo. A luz reflete nos cabelos escuros das meninas e ele faz uma observação qualquer a respeito. Uma delas sorri, a outra finge que não ouviu. Olha para o chão e compara os sapatos, ela tem essa mania esquisita de observar sapatos mesmo não sendo nem de longe uma shoeholic (ou fetichista). A idéia de comprar um par de chelsea boots de camurça preta e sem salto surge no horizonte. E meias novas, porque essas já demonstram as muitas lavagens descuidadas a que foram submetidas.

A maldita chuva, como se revigorada pela pausa, retorna mais forte. O trio busca abrigo dentro de uma filial da Carphone Warehouse às moscas onde fingem examinar celulares e tablets, sendo seguidos em silêncio pelo olhar de meia dúzia de vendedores morrendo em pé de tanto tédio. Quinze minutos e o clima concede outra trégua; os três saem à procura de um lugar para sentar e acham um café em frente a um mercadinho de rua, staff polonês sorridente, onde pegam mesa na calçada e ele pede um flat white. Uma menina pede um caramel latte, a outra pede um americano e suspira em silêncio pelas quiches na vitrine. Em meio à conversa os três descobrem uma improvável admiração coletiva pela obra da Nikka Costa.

No ônibus para New Cross há ossos de galinha espalhados pelo chão. O modus operandi da galera local é adentrar o coletivo futucando as caixinhas de frango frito e ir cuspindo os restos. Classy. Na lateral de outro ônibus há um anúncio de delivery de comida indiana chamado “tikka to ride” e o trocadilho é desculpa para risadas e piadas de baixo calão (que seriam reproduzidas nesses parênteses mas a idéia foi descartada). O ônibus percorre ruas estreitas, stop-and-start, stop-and-start, a cada 50 metros mais um restaurante de comida orgânica para os city boys (“cash rich, time poor”) preocupados com a saúde e com a procedência das folhinhas de rúcula. À medida que a cidade fica para trás as entranhas do subúrbio se abrem, as ruas vão ficando mais largas, o trânsito menos denso; o ônibus flui em linha reta. Uma das meninas tem um deja vu nostálgico de uma época onde os ônibus disparavam pelas vias expressas de uma outra cidade onde se podia empurrar o vidro da janela e deixar o vento bater no rosto. Aqui as janelas são enormes, mas não abrem.

Entram num supermercado porque elas precisam de banheiro. No espelho uma das meninas retoca o batom e passa a escova o cabelo, enquanto a outra checa a timeline do Instagram e evita o próprio reflexo. Na saída o menino aguarda examinando atentamente um bagulho qualquer na prateleira de papelaria. Uma das meninas vai olhar o que é, a outra aperta o braço dele de leve e sussura “don’t even think about it”. Ele sorri e sai caminhando enquanto joga casualmente o objeto no bolso. Uma das meninas prende a risada; a outra suspira. “Why do you never do what I tell you?” ele responde “you are not my boss, lady” e uma das meninas ri e a outra odeia os dois um pouco. Saem do mercado rápido demais, se comportando de maneira vagamente suspeita mas nem eles, nem o segurança-parrudo-clichê de pé na saída se importam. Talvez eles nunca tenham crescido, na verdade; probably never will. Na lista de prioridades, crescer está acima apenas de morrer. Mas graças a eles a cidade assusta um pouco menos a cada dia.

Na volta retornam pelo mesmo mercado de rua e passam por um cachorrinho de três pernas, saltitando alegremente pela calçada onde as poças de água da chuva começam a secar mas ainda refletem nesgas de céu cinza e prédios cinza no chão de cimento cinza. As cores que importam estão em outro lugar. Ele chama o cachorro de “cutest furry tripod”. Uma das meninas ri. A outra também.

Burden & apathy.

não cabe mais um sapo sequer na sua garganta, mas você engole assim mesmo o batráquio do dia e tenta manter o status de relacionamento, porque às vezes DEIXAR de ser amigo de alguém dá mais trabalho do que fingir que ainda é. todo um ritual de desvencilhamento quando há pessoas em comum, lugares em comum, quando a criatura já esticou tantos tentáculos pra dentro da sua vida que pensar em ter que sair tesourando um por um nos faz recuar com uma daquelas preguiças paralisantes que se manifestam diante de alguma tarefa hercúlea e ingrata, que não vai proporcionar prazer algum além de um pequeno alívio no fim. os fins parecem não compensar os meios e aí eu apenas enfio metaforicamente a cabeça no vaso, espero a raiva passar (sabendo que não vai passar, vai apenas ressecar e acumular por cima das raivas antigas, aumentando a crosta de ressentimento) e me torno cada vez mais fria, cada vez mais incapaz de relativizar e perdoar e entender.

e no fim aquela amizade fica ali, na última gaveta do armário do quartinho dos fundos como aquela blusa que não combina com você, que já saiu de moda, que nunca coube direito, que está ocupando um espaço onde meias novas poderiam estar se espalhando e que você até desconfia que já usou pra limpar café derramado. a diferença é que essa pessoa vai ficando, pesando na bagagem por causa de uma conveniência incômoda e para poupar fadiga e stress. quanto à blusa, você até já se esqueceu, mas foi embora com o lixo da semana passada.

come kinder and lighter, april.