can you hear me calling you?

fui para hampstead heath e resolvi entrar naquela manor house no meio do parque, kenwood. o lugar estava cheio; dentro da casa velhas e velhos com cara de upper middle class, twin sets, pulôvers de cashmere, jaquetas de couro, sapatos de verniz, cachecóis de lã merino, observavam com atenção os quadros na parede – e a mim, de rabo de olho ou abertamente, desrespeitando a regra número um de ser inglês que é não encarar ninguém abertamente. judeus circulavam em pleno sabbath e um grupo de meninas adolescentes tagarelava em volta de um filhote de springer spaniel, o sotaque cortante compondo a trilha sonora da tarde. o restaurante estava lotado, mas conseguimos tomar um latte no jardim e depois descer a bishops avenue (vulgarmente conhecida como “avenida dos bilionários”, posto que perdeu há tempos para outros endereços) rindo daquelas casas caríssimas, porém horríveis.

terminei cedo a noite anterior, cantando mr. brightside meio bêbada num karaokê em camden. a idéia era não passar da minha habitual taça de prosecco vagabundo, mas alguém abriu um sauvignon blanc na mesa e nada mais me lembro, berenice. antes disso fomos buscar pessoas que não tinham carro mas também não estavam, digamos, “em condições” de utilizar transporte público. a casa ficava em east finchley, era uma terraced vitoriana caindo aos pedaços, com sacos de lixo jogados ao lado da porta que pareciam estar ali há séculos e ervas daninhas brotando de cada uma das rachaduras no cimento. um rapaz magrinho com cabelo black power e camiseta superdry abriu a porta justo quando eu estava me preparando pra fazer uma foto das molduras de madeira apodrecida na marquise. a idéia era não entrar, mas dez minutos depois eu estava sentada com uma lata de cerveja na mão numa pilha de lencóis amarrotados em cima de um colchão de casal no chão de um quarto imenso, mas praticamente desprovido de qualquer outra mobília além de um frigobar vermelho, um macbook e malas de viagem tamanho jumbo.

na sala umas cinco pessoas falando no celular ao mesmo tempo e eu fui ficando ansiosa e aquela sensação de algo sufocando dentro de mim e cravando as unhas por dentro da minha pele tentando rasgar e sair e respirar, e eu comuniquei o fato da maneira mais blasé possível e me deram uma cartela de calmante e se passaram uns bons anos desde a última vez em que vi uma dessas – mas a prudência não me permitiu experimentar. peguei outra latinha de fosters pra tentar relaxar e eu odeio fosters. já que estava bebendo mesmo aceitei também um punhado de pringles. fui pra janela tentar respirar um pouco de ar puro, não adiantou, fui ao banheiro e havia uma quantidade assustadora de sacolas de supermercado (cheias de sabe-se lá o quê; me pareceu tecido/roupa) com as alças amarradas dentro da banheira. o banheiro não tinha tranca. alguém sintonizou o rádio na Radio 1. pedi em privado por favor pra ir embora, e aí três pessoas entraram no banco de trás do carro com a gente e eu só pensava em ir pra casa.

porém uma hora depois eu estava comendo lulas recheadas de chorizo + risoto (o arroz, com forte sabor de manteiga, preto por causa da tinta da lula) e depois um peixe cujo nome esqueci envolto em bacon com cuscuz e abóbora e berinjela ao forno. eu não gosto de peixe. não tive coragem de dizer. nem de pedir sobremesa e o café não me ajudou a ficar sóbria ou calma. o serum da boots + exfoliação diária realmente está deixando a minha pele melhor mas eu vou ter que passar fome por duas semanas porque minha retenção de líquido está gritando. contei e tenho 80 doses de rivotril, provavelmente vencido, da caixinha que a L. me deu ano passado. em condições normais eu realmente não preciso, mas pelo andar da carruagem vai ficar cada vez menos provável ficar ok sem química.

março, de fato, está sendo difícil.

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