The grey remains of a friendship scarred.













highgate é um poucos bairros onde é possível ver montanhas ao (quase) longe, numa cidade conhecida pela falta de alto-relevo. londres é uma grande panqueca, mas nessa área pelo menos as pessoas têm ladeiras e algo que pode ser considerado uma vista e que não necessariamente se resume ao jardim do vizinho. jardim esse que vale as suas dimensões em ouro. highgate é caríssima, talvez pelo privilégio oferecido de vislumbrar alguns morros cobertos de árvores que não perderam suas folhas no inverno.

ando pelas ruas em direção ao meu destino parando em frente a cada porta colorida georgiana, observando os pórticos de madeira esculpida, os pequenos jardins contidos em potes de terracota, esperando que a mulher com o carrinho de bebê vire a esquina e me perca de vista porque quero fotografar a fachada da casa de onde ela saiu. entro num sebo de livros e me dou conta de que ali eles custam o mesmo preço que os novos na loja. saio xingando mentalmente a ganância da classe média. encontro uma igreja, depois um parque com lagos onde patos e gansos bóiam rodeados por salgueiros chorões com a folhagem verde-clara nova da primavera – e também cerejeiras, amendoeiras, forsythias, camélias e magnólias em flor. é quase beleza demais para suportar, mas eu faço um esforço. pessoas sentadas nos banquinhos espalhados pelos cantos pitorescos estragam minhas fotos, mas pelo menos estão em silêncio – exceto por raras e comedidas interações sociais via celular, as vogais cortantes do sotaque clássico dos abastados.

em hendon, ao contrário, mal se fala inglês. tropeço em mercadinhos vendendo produtos alimentícios de todo o mundo, populados por seus habitantes (poloneses, tailandeses, chineses, árabes, turcos, etc) trocando impressões na comfort zone das suas línguas maternas. pego latas e pacotes cujas embalagens me parecem interessantes sem entender muito bem o que são. não há a menor chance de decifrar a lista de ingredientes.

alguém fede a peixe no ônibus.
faz frio, o que eu não esperava. meu pulôver não basta.

no metrô de volta uma mulher bêbada quer retocar o batom. é engraçado, mas eu tento não rir. e fracasso, claro.

no shopping onde espero carona para casa um policial se desculpa ao esbarrar em mim. ele leva pelo braço um rapaz algemado. os dois são seguidos pelo segurança de uma loja. eu sinto o cheiro dos pretzels e do café da lanchonete ao lado. as pessoas em volta interrompem seus trajetos para observar a cena. a carona chega. vou atravessando a passarela em direção ao estacionamento olhando o céu nublado. essa cidade são várias.

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