Park House

Como estávamos pelas redondezas e não custava nada tentar, fizemos uma rápida visita ao antigo lar do respectivo. Ele nasceu em Surrey, mas três anos depois a família se mudou para uma fazenda no condado de Devon. Essa foi a casa onde ele passou a infância e a adolescência, até ir para Jersey por conta de um summer job e decidir ficar por lá.

Na primeira tentativa demos com a cara na porta, mas na segunda fomos recebidos pela atual dona da casa – que foi bastante simpática, compreendeu o motivo da visita e nos ofereceu uma mini tour do térreo enquanto respectivo saltitava pela memory lane.

Acho que todos nós temos uma casa que sempre vai ser A Casa definitiva, a que sempre nos aparece em sonho quando sonhamos com Lar. Quando penso em casa eu penso naquela casinha pra onde fui aos quatro anos e que meus pais reformaram de uma meia água para um quadrado de cimento – esteticamente questionável, talvez; porém espaçosa e confortável, rodeada de varandas de piso frio brilhante (mamãe era muito house proud) onde era uma delícia caminhar descalço no verão, um jardim bem cuidado cheio de rosas, margaridas e bougainvília, uma piscina construída nos fundos com sobras de material da obra de amigos, um terraço onde eu gostava de sentar à noite, embaixo da antena de TV para ouvir música no meu radinho de pilha e olhar as luzes piscando no morro. Home will always be there.

Por isso entendi perfeitamente o entusiasmo dele por rever a cozinha, o kitchen garden, o pomar, o lugar onde ficavam as vacas no inverno, onde as crianças corriam com os cachorros e relembrar uma infância livre e feliz como já não existe mais nas grandes cidades. Foi só uma horinha, mas que deve ter trazido vários anos de memórias e muita saudade.

Ele sempre diz que se ganhasse o euromillion tentaria comprar aquela casa novamente. Eu nem precisaria de tanto pra comprar minha casa humilde na Baixada – mas se algum dia eu puder, mesmo que seja apenas pra visitar de vez em quando, ela volta a ser minha de novo.

Tarr Steps, Exmoor Park.

Fizemos uma breve visita ao parque nacional de Exmoor e nesse dia em específico fui conhecer Tarr Steps – uma ponte construída inteiramente de grandes lajes de pedra e pedregulhos (com 54 metros de comprimento é a mais longa ponte de cascalho que resta na Grã-Bretanha). Acredita-se que o nome ‘Tarr’ seja derivado da palavra celta ‘tochar’, que significa ‘calçada’. Foi mencionada pela primeira vez na época Tudor, mas pode ser muito mais antiga. O rio foi sendo assoreado ao longo do século passado e agora atinge as pedras em épocas de enchentes. A ponte teve que ser consertada várias vezes, pois pedras de até duas toneladas foram carregadas até 50 metros rio abaixo.

O folclore dá uma origem diferente para a ponte, no entanto, dizendo que o próprio Diabo a teria construído e prometeu matar qualquer um que tentasse atravessá-la. Um gato foi enviado e a população local viu o bichano ser vaporizado diante de seus próprios olhos, e então o pároco local foi enviado. Ele se encontrou com o Diabo no meio da ponte e permaneceu firme diante do demônio – que acabou cedendo, permitindo que as pessoas cruzassem sua ponte. Com uma condição: as pessoas ainda seriam banidas da ponte caso ele quisesse tomar banho de sol lá. E essa estipulação vale até hoje.

Diante de tudo isso eu só tenho a dizer que:

  1. O lugar é lindo e vale o risco de encontrar o capeta pegando um bronze;
  2. O bolo e o cream tea estavam deliciosos;
  3. Coitado do gato.

Appledore & Bideford, Devon

Rolezinho em Appledore e Bideford, duas villages às margens do rio Torridge em Devon. Appledore é menor, mais pitoresca e tem cara de vila de pescadores; Bideford é maior e tem lojas mais variadas. Muito verde para onde quer que se olhe (porque chove pra cacete em Devon, haha) e cobicei horrivelmente as casinhas coloridas cravadas nas colinas. Tenho que voltar no verão pra tomar sorvete Hocking’s, comprar uma cesta de vime e sair pelas ruas estreitas de pedrinhas me sentindo Jane Birkin de férias na terra natal.

Because we said so.

Aniversário do Respectivo, comemorado com chinese takeaway, bolo de supermercado e uma visita à exposição de trens de brinquedo em Saint Peter. Na sexta fui ao Club Live Lounge (clubes com nomes cafonas são populares por essas bandas) com a J. e seu ficante em potencial, um egípcio que não sabia dançar mas pagava rounds e mais rounds de cerveja pra todo mundo e fornecia spice – que a J. acha que é droga, mas não passa de incenso fumável – gratuitamente para as moças bonitas. Sobre esse “moças bonitas”, só tenho a dizer que, well, ainda bem que eu não fumo.

Chegamos no clube a bordo de um Skoda Felicia caindo aos pedaços e, só de lembrar que cruzei a cidade dentro de um carro com as janelas abertas (à noite, dez graus centígrados) e música árabe bombando no último volume, eu sinto vontade de beber uma garrafa inteira de vodka. O clube é até interessante. Fora eu e o egípcio, somente uma dúzia pessoas – dez das quais eram homens que não dançavam e ficavam de pé em volta da pista, cerveja na mão, devorando com os olhos as duas outras pessoas disponíveis (J. pulando enlouquecida e uma menina vestida de calça cargo e top com estampa de camuflagem, aparentemente drogada e dançando qualquer coisa com coreografia de rave). As músicas iam de 4 Minutes da Madonna a Lambada do Kaoma com batida eurodance de fundo, e um DJ português da ilha da Madeira forçando sotaque carioca: “e aíah, galéra do brasiu”.

O egípcio deixou bem claro, já no começo da noite, que sua expectativa era comer a J. (aquelas cervejas não iam sair de graça, after all) e que eu só estava atrapalhando. Se ofereceu para me deixar em casa, mas eu rapidamente me lembrei do Skoda e da música árabe e educadamente recusei. Me enfiei no banheiro, onde dois travestis trocavam dicas sobre anticoncepcionais (?) e liguei para o Respectivo, implorando que ele viesse me tirar dali ontem porque, claro, eu só tinha três libras na carteira (como sempre) e taxista não aceita cartão de débito.

Antes disso rolou toda uma sessão de fotos na casa de J. Starr (don’t ask) e eu fui terminantemente proibida de postar as fotos aqui. Eu até pretendia, porque tava engraçado e tal – mas vão desculpando.

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Amanhã, pego o barco das onze. Quatro horas enjoando e vomitando até Poole. Não contem com posts até o começo do próximo mês, porque eu não quero levar o laptop e em Devon não existem lan houses – apenas vacas e salões de chá cheios de velhinhas de 380 anos lanchando cream teas. Nada é impossível, but don’t hold your breath. Até daqui a pouco.

Leaving on a boat.

Chego em Londres na sexta 29. Achei um hostel baratinho, mas muito bem localizado (Covent Garden). O quarto é privativo mas a inconveniência é ter que dividir chuveiro. Urgh. Oh well, sempre se pode resolver o probleminha calçando havaianas na hora do banho.

Antes de cair de cara na cidade serei obrigada a fazer uma social em Surbiton (casa da half cunhada, a famosa “véia do patinete”). Pelo menos teremos um lugar onde deixar o carro sem ter que pagar estacionamento. A partir daí London belongs to me. Sexta à noite talvez dê tempo de comer e saracotear no Rock Garden. No sábado quero tea na Fortnum & Mason e jantar no Wagamama.

Antes disso tem Devon. Ele deu um jeito de me irritar escolhendo o nosso B&B porque ele CONHECIA os donos. Prevejo mais pessoas arregalando olhinhos e dizendo “Oh!? Hi!” quando eu for apresentada as “the wife”. Porque, claro, eu não sou o que eles esperavam. Cansaço. Eu realmente preferia ficar num lugar anônimo e não ter que passar por isso.

Mas enfim. Férias desse quarto, desse computador e dessa rotina agradável, porém pouco estimulante. Não tanto por causa da rotina – eu poderia estar lendo um livro, eu poderia estar costurando uma colcha, eu podia estar roubando, eu podia estar matando – mas por causa da minha preguiça de estimação. Coço a barriguinha dela todas as noites, antes de dormir. Fofa. (E eu realmente já tive um bicho preguiça de estimação. Eu tinha, sei lá, sete anos e os caminhoneiros amigos do meu pai a capturaram na selva… E ele a trouxe para casa dentro de uma caixa de papelão).

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Estou indo pra cidade agora catar um presente pro Respectivo (que soprará velinhas no domingo) e analisar a possibilidade de comer the best chicken kiev da ilha no boteco italiano do Bruno.

What a wonderful world.

Levamos o carro pra rodar depois que o boo-boo no farol foi consertado, e paramos para tomar uma cerveja no Portelet Inn. Note to self: voltar lá pra comer, também, porque o pub parece ter resolvido suas tendências de servir comida ruim na hora do almoço (espiei o conteúdo dos pratos alheios e estava aceitável) além do que a vista para o mar é qualquer coisa de wow.

Depois rumamos para Saint John, onde acontecia uma car boot sale no estacionamento de outro pub. Não sei pra quê, porque eu tinha 3 libras na carteira e obviamente não ia comprar nada. Car boot sales = bando de tias e tios se reúnem num estacionamento, esvaziam vários sacos de porcarias no porta-malas do carro ou em cima de um lençol no chão e vendem tudo por uns trocados. Na maioria das vezes não tem nada muito exciting – fitas VHS com filmes do naipe de “Uma Linda Mulher” e “Flashdance”, porcarias de porcelana e roupas fedidas. Mas de vez em quando rolam boas surpresas. Bom passatempo se você curtir um desafio, tiver pouco dinheiro e nada melhor pra fazer.

No caminho da car boot, eu avistei um Rolls Royce amarelo enorme parado na entrada da Manor House de Saint John e uns senhores usando chapéus de palha direcionando os motoristas para o portão. Os jardins estavam abertos à visitação pública num evento de caridade e decidimos então mandar a car boot pro espaço e ir futricar o quintal alheio. Essa foi a melhor idéia da semana, porque os jardins eram de cair o queixo e valeram o ingresso. Por mais duas libras tivemos direito a um cream tea, servido em pratos e copos de isopor e que comi sentada no chão, enquanto vespas e abelhas planejavam transformar meu chá em piscininha.

“Vamos sentar aqui e fazer fotos pra fingir que o jardim é nosso?”
“Acho que os leitores do seu blog não vão acreditar…”

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Tinha lago com direito a cisne e botes, jardim japonês, jardim só de hortências (e outro só de dálias, e de rosas…), “kitchen garden” (onde se plantam legumes e verduras), campo de golfe, haras, garagens para a coleção de carros vintage do dono da casa e um mini zoológico de aves de rapina (falcões, águias e lindíssimas corujas brancas). Cheguei na “hora do recreio” e tinha um camarada servindo a janta para os pássaros: PINTOS MORTOS. Traumatizei).

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Reflita no quanto deve custar para manter isso aí tudo.
É. Acho que prefiro o meu jardim. Água da chuva pra regar, poda duas vezes ao ano e corre pra galera.

Food talk

Arroz com ovo. Farofa. Cachorro quente de carrocinha, carregado no molho. Sacolé. Vitamina de abacate grossinha e doce. Feijão com farinha. Carne seca com abóbora. Churrasquinho de asa, devidamente assado na laje do cafofo recém erguido na comunidade, forró ao fundo. Se tiver “pão de alho” assando junto, melhor. Feijoada gorda. Pudim de leite. Caipirinha azeda, porque afinal limão é mais barato que cachaça. Contini (o primo pobre do Martini Bianco) com coca cola. Sorvete/sacolé fabricado em fundos de quintal e vendido em carrocinhas. Pipoca salgada com pedaços de “bacon”. Pipoca do saquinho rosa. Imitação de chee-tos a 30 centavos, saco transparente, na barraquinha. Galetão de domingo. “Salada de legumes” (uma batata, uma cenoura, 1kg de maionese). Molho à campanha (?). Macarrão com salsicha.

Geralmente os pratos mais saborosos e característicos da culinária regional de vários países são, exatamente, “peasant food”, a boa e velha “comida de peão”. Num pé-sujo na Rue du Rivoli, peço essa tigela de cassoulet quentinho por seis euros, com direito a uma taça de vinho:

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Isso me lembra a história de uma pessoa a quem, durante um almoço de família no interior da França, foi servida uma fatia de queijo. Quando ela levantou o queijo do prato percebeu uns pedacinhos caindo de volta. Under closer inspection, a constatação: não eram pedaços de queijo – eram VERMES. Ela deixou cair no chão, horrorizada. Os vermezinhos saíram se arrastando para todos os lados e, enquanto ela cogitava se seria muito deseducado subir na cadeira e começar a gritar, o anfitrião deu a volta em torno da mesa, pegou o queijo, cheirou, examinou os vermes, raspou o restante com uma faca e pôs o queijo de volta no prato. “Pode comer, não está estragado… Os vermes vêm atraídos pelo c-heiro, eles também sabem o que é bom”. A mesa inteira caiu na risada enquanto a moça cogitava se seria muito deseducado enfiar a mão na cara do francês ou fazê-lo comer os vermes.

Ok, isso me lembra uma outra história. Dessa vez envolvendo meu finado sogro, que era engenheiro eletrônico da BBC e famoso pela falta de tato/não dar a mínima. Foi convidado para um jantar em casa de amigos na França, um casal que tinha vinhedos e orgulho do que produziam. Para o jantar, tiraram do fundo da adega um tinto de ótima safra. Fred dá o primeiro gole e a francesada na expectativa, esperando os elogios. Sogrão bota a taça na mesa, passa a mão no açucareiro e joga uma PÁ de açúcar dentro do vinho, dá uma boa mexida e bebe. E diz “Agora sim”. Segundo relatos a cara da sogrinha só não foi parar na China porque tinha o chão no meio do caminho, mas dava pra cortar com faca de rocambole o silêncio que se abateu sobre a sala.

E provando mais uma vez que a gente pode tirar a pessoa do subúrbio mas não tira o subúrbio da pessoa… Férias no sul da Itália, sentar num boteco e pedir “arancini + peroni”, o famoso equivalente siciliano da “coxinha + skol”.

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Arancini leva arroz no lugar da massa e recheio de tomates e queijo derretido (ou carne). E ainda tive direito a um casal de cariocas falando português na mesa ao lado.

Cinema de vitrines.

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Ela não tem nome. Pelo menos, não que alguém saiba.
Ela tem a pele pálida, os lábios da Jolie, olhos cor-de-avelã sonhadores sempre voltados para a mesma direção (esperando por algo? Alguém?) e cabelos castanhos escuros num corte atrevido. E deve gostar de moda, porque todos os meses muda o visual.

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Ela é um manequim de vitrine de cabeleireiro, e mora numa vila do Japão.
E foi assim que ela se apaixonou por ela. E eu também.

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Cock and Bottle.

Resolvi ir tomar um cappuccino no Cock and Bottle, em Saint Helier. O pub é pequeno mas bem localizado, numa das pracinhas mais pitorescas da cidade e vive cheio. Principalmente no verão, quando lota de turistas.

Fui buscar meu café e voltei equilibrando a xícara (enorme) a duras penas, porque faltei no dia em que ensinaram coordenação motora e não tenho talento. Notei que não havia açúcar na mesa e voltei para pedir. A polonesa do balcão fez carinha de bunda ao me entregar o pote cheio de cubos duros de açúcar (MASCAVO, que eu inclusive detesto) e quase deixa cair no chão antes que eu conseguisse pegar. Você pediu desculpas? Nem ela. Liguei pro Respectivo e convidei-o pra almoçar; daí enfim me aparece uma garçonete que, aparentemente, se deu conta da minha presença. Mas apenas porque já era meio dia e ela queria saber se eu ia almoçar ou não; porque “aquelas mesas estavam reservadas a quem ia comer”. Mensagem subliminar: “ou gasta mais dinheiro ou RALA PEITO”.

Simpatiquinha, ela. Eu, apreensiva, informei que estava esperando alguém – que chegaria em meia hora. Ela fez cara de desespero e perguntou rispidamente se eu ia beber algo (leia-se: “então comece a gastar dinheiro JÁ”). “Seu sangue”, pensei em responder. Mas acabei pedindo uma taça de Chardonnay, por questões higiênicas.

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O Cock and Bottle tem um menu de almoço decente (comi um Boeuf Bourguignon com batatinhas Jersey Royals; mas o Chardonnay veio QUENTE). Já o staff é péssimo. Eu não tenho nada contra poloneses – eles trabalham duro, não têm frescura e não estão “tirando emprego” de ninguém. Mas a verdade é que, em termos de simpatia e boa educação, as meninas ficam devendo. Ninguém é obrigado a viver mostrando os dentes, mas elas trabalham sem dar UM sorriso o dia inteiro, e algumas ultrapassam o limite da grosseria ao lidar com a clientela. Os meninos são bem mais legais. E podiam deixar essas moças mal educadas (e que parecem trabalhar com ódio) lá na Polônia.

Saí de lá e fui rodar as charity shops. Achei duas molduras por 2.50 cada. A idéia era jogar as figuras fora e usar só as molduras, mas gostei das ilustrações vintage de plantas. Vão direto pro meu quarto. Também achei um livro de capa dura sobre jardinagem e decoração por 1.50, e mais uns brinquedinhos por 2.00.

À noite fomos para o pub e a idade média da clientela era 208. Eu acho o máximo que os idosos tenham lugares para ir beber e se divertir ao invés de ficarem plantados na frente da TV . Mas eu também gostaria de ter opções de lugares com música bacana (raramente há música nos pubs de village, frequentados pelos mais velhos) e gente da minha faixa etária, onde eu me sentisse mais integrada, sabe. Do contrário, quem vai ter que criar raízes no sofá, calçando pantufas e assistindo a reprises de novela sou eu. Fiquei tão deprimida com esse prospecto que pedi ÁGUA COM GÁS. E a garçonete ainda pôs gelo e limão.

Se eu ficar mais 12 meses direto nessa ilha, juro que vou desenvolver osteoporose.