Férias

só para dar uma espécie de satisfação aos leitores, porque eu também acho um saco ficar entrando em blogs para ver se tem atualização e dar com a cara na porta (ah, se esse tal de feed/rss não desse tanto bug…). voltei da sicília, voltamos de hannover. todos em casa, todos bem, inclusive a pequena chantilly. que miou horrores durante os dois dias em que foi obrigada a ficar dentro de uma gaiola no banco traseiro do carro, entre hannover e saint malo.

um ano e quatro meses de alemanha se mudaram de volta pra jersey, enfiados de qualquer jeito em caixas de papelão surrupiadas do escritório do respectivo. estou recolocando coisas de volta nos lugares, encontrando lugares para coisas que não estavam aqui antes e, principalmente, redescobrindo o meu lugar aqui. agora com a família completa.

no meio disso tudo, a verdade é que hannover é uma cidade bem legal. mesmo com os invernos de dias escuros e temperaturas abaixo de zero, mas principalmente com os seus verões onde a vontade de estar ao ar livre é tanta que todos os restaurantes, bares e sorveterias transportam as mesas para a calçada – junto de flores, cachorros, crianças suadas e sorvetes de três andares. entregamos o apartamento segunda feira passada, sem muita nostalgia, antes de pôr a última caixa dentro do carro e o carro na estrada.

respectivo vai continuar indo à chucrutelândia regularmente, então não é um adeus definitivo. ainda voltarei a comprar roupas baratas na H&M, sapatos sem salto na street, comidas diferentes no edeka, tralhas coloridas na nana nanu e na lojinha da sanrio da estação. por enquanto estou pintando paredes, estou ajudando a minha gata a se adaptar, estou tentando voltar a comer direito, estou voltando a costurar, estou respondendo pilhas de emails atrasados, estou revendo minhas amigas, e estou retomando a minha rotina. o que me lembro dela, that is.

muito trabalho, mas muito prazer envolvido. o que faz tudo valer a pena.
até daqui a pouco.

Pequeno compêndio de reminiscências.

Lembra de quando estávamos “acampando” no seu quarto com lanternas, livros e música e eu confessei que nunca tinha bebido vaca preta e você não quis acreditar e disse que ia fazer uma, tínhamos sorvete de creme mas não tínhamos coca cola, e você se levantou e eu disse que não precisava se importar e você respondeu que muitas vezes “a preguiça mata o desejo” e se eu não bebesse vaca preta agora acabaria nunca bebendo, e saiu no temporal sem guarda chuva e, junto com o refrigerante, me trouxe um pacote daquelas balas de tamarindo cafonas, que eu tinha vergonha de admitir que adorava – mas você sabia.

Lembro de como eu me sentia importante quando você comia o resto do bife que eu deixava no prato.

Lembra daquele dia no jardim brincando de casinha com as meninas e eu chamei você para ser o “pai” e os seus olhos se ergueram do livro lentamente e você perguntou sorrindo “e o que o pai faz” e eu respondi que ele trazia a comida pra casa e a gente riu, e depois aquela menina estranha apareceu do nada no portão e pediu para brincar um pouco e nós deixamos, e ela era toda desajeitada e arrancou a cabeça da barbie e depois recolocou por engano em outra boneca menor e, toda satisfeita, reconheceu a própria façanha com delicioso sotaque nortista: “alá! butei a cabicinha!”, e nós rimos de rolar pela grama.

Lembra de quando eu comecei na escola nova e você me ajudou a encapar meus cadernos com folhas de mapas antigos, e depois colamos durex transparente por cima de tudo para preservar as imagens e eu achei que os meus cadernos eram os mais lindos da escola inteira e você “assinou” o seu nome na contracapa e quando eu me sentia burra ou sozinha ou perdida, só precisava virar uma página para me sentir melhor ao admirar o traço preciso da sua caligrafia e passar os dedos pelas marcas que a assinatura deixara na cartolina (você escrevia forçando a caneta no papel; era da sua natureza fazer tudo intensamente) e lembrar das suas mãos delicadas cheias de pedaços de durex esperando para serem usados.

Lembra de quando você pegava os discos da nina simone da gaveta de vinis do seu pai para me ensinar a dançar, sendo que você também não sabia e nós nunca aprendemos?

Lembra daquela tarde de sexta feira onde as meninas estavam se arrumando para sair e alguém pôs um cd do heart para tocar e você e a S. cantando junto e eu estava ali, atrás da porta, ouvindo tudo e rindo e ninguém me viu, mas eu vi o jeito como ela olhou pra você naquele pedaço da música que falava “but the secret is still my own and my love for you is still unknown” e eu nunca esqueci pois foi a primeira vez que senti ciúme.

Lembra daquele dia em que você tocou uma música muito longa no piano e depois ficou calado por um tempo maior ainda, olhos perdidos na janela, e eu perguntei sem ter resposta o que estava acontecendo… e foi apenas depois de um tempo ainda muito maior, depois de anos na verdade, que eu enfim soube o motivo do silêncio e o nome da música.

Lembra de quando eu e a R. choramos na van achando que você nunca mais ia voltar pra casa, e eu que achei que nunca nada nos uniria na vida porque nossos ódios se reconheciam no olhar, me vi fazendo promessas de jejuns e penitências abraçada à minha única inimiga.

Lembra de quando você se arrependeu tanto de ter me dito algo que pensou ser uma ofensa e não era mesmo necessário, porque foi precisamente a coisa mais bonita que alguém já me disse na vida (apesar de não ser de uma beleza óbvia) e eu fiquei um tanto quanto desapontada por você não ter notado.

Espero que algum dia, mesmo que tenha sido muito depois daquele fatídico dia em que eu escolhi a estrada errada naquele cruzamento onde você ficou me esperando em vão, você tenha notado. Porque significou o mundo inteiro para mim e, entre as muitas coisas que eu involuntariamente dividirei com você enquanto viver, eu queria poder dividir mais essa, também. e porque aquelas palavras eu ainda ouço, sempre antes de a chuva cair, levando embora coisas importantes na enxurrada. Sempre que meus olhos casualmente encontram os de um estranho nas ruas de um novo país. Porque entre as minhas muitas ambições não realizadas a mais importante terá sido, talvez, a mais simples: a de que um dia mais alguém reconheça em mim a menina que você viu. Acho que ela é a melhor coisa que eu já fui.

Protect and Survive.

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é fato: adoro ver a vida passar pela janela.
mas nem sempre foi assim; me lembro bem de vários sábados onde ficar sentada na frente de uma enquanto o mundo inteiro parecia estar vivendo plenamente, era razão suficiente pra deprimir e arquitetar cortar pulsos.

uma lâmina de vidro separando o mundo lá fora do meu mundo aqui dentro. isso nunca mudou. com a única diferença de que agora são duas lâminas de vidro (mais uma camada de ar) e o meu mundo não é mais um esconderijo forçado de coisas que doem.

lá fora o sol brilha, o vento sopra, a chuva cai e as estações mudam.
aqui dentro, eu apenas acompanho com os olhos. e me sinto protegida e, ao mesmo tempo, longe de tudo e parte de tudo.

ser espectadora nunca foi tão simples.

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indo para hannover no sábado e, no próximo, para a itália. sete dias na sicília, num monastério medieval (tive que encher MUITO o saco para conseguir uma vaga, já que o lugar é tão inacreditável quanto barato). é evidente que pretendo comer como se não houvesse amanhã e não passar perto de nenhuma loja.

no dia 20, eu e ele embarcaremos num ferry em saint malo de volta para jersey.

e dessa vez, se tudo der certo, com uma pequena passageira peluda na bagagem. :)