A bancada do meu quarto está a cara da copa do Hotel Glória.
Cheia de pratos, copos e talheres espalhados.
A desorganização passou aqui pra dizer olá e acabou ficando.
Acordei hoje às seis da manhã (após uma longa noite de não-sono) com o barulho de uma garotinha de uns três anos aspirando ranho. Na verdade ela havia passado a noite inteira nessa e fez pior pela minha tentativa de adentrar os domínios de Morfeu do que qualquer adulto com ronco seria capaz. Pra completar o quadro desgraçado, de vez em quando ela mijava na cama (aka o tapetinho no chão onde ela dormia com os outros três irmãos e a mãe). E não era pouco. Parecia que haviam aberto as comportas de alguma represa. Nunca vi coisa igual – e espero sinceramente nunca mais voltar a ver. Nem a sentir o cheiro.
Antes de explicar o que diabos fazia eu nesse cenário, mais sobre a garotinha. Prima minha, de 2394523640º grau, tem esses três irmãos e mais dois que ficaram em casa, todos eles filhos de pais diferentes, todos os pais traficantes, todos já mortos – traficante têm prazo de validade curto. A mãe é uma magricela de uns 27 anos, obviamente aparentando o triplo, e que passou a noite grudada num homão de dois metros de altura e largura, provavelmente criminoso, provavelmente o pai do próximo filho, provavelmente mais um defunto do qual ela infelizmente não poderá receber pensão – uma vez que, é sabido, traficantes não pagam contribuição à Previdência.
Fui parar nessa casa ontem às duas da tarde, para o aniversário de 15 anos (ou 16? Não faço idéia, posso estar errada em ambas as suposições) de um primo de segundo grau. Filho de uma das minhas primas, um amor de garoto – e que não merece o nome que lhe deram. O combinado era só comer um churrasco, tomar umas cervejas, esperar minha mãe confeitar o bolo e voltar pra casa. Mas 1) começou a chover 2) havia, de fato, MUITA cerveja e comida e 3) sei lá a terceira razão. Assim que cheguei, a prima mais nova me agarrou pelo braço dizendo que eu era a priminha dela e foi me exibindo como um troféu para cada um dos convidados. Confesso que (dois copos grandes de cerveja mais tarde) aquilo começou a ficar divertido. Eu não nego minha quedinha pelo wildside, mas eu devia ter posto em mente que o wildside é que nem chee-tos requeijão: diferente, porém demais enjoa. Acabei ficando pra dormir lá.
A cerveja rolava feito água de bica. Enchiam meu copo, eu dava dois goles e enchiam de novo. E eu, que não havia comido quase nada até então, não demorei pra ficar bêbada. Minha prima trajava um bermudão masculino modelo “gerente-de-boca-de-fumo”, um top que mal aguentava o peso dos peitões, piercing no umbigo, pés descalços e nas mãos uma lata de skol + um maço de cigarros pra ornar. E saiu me arrastando por vielas e me apresentando a personagens. Uma senhora de uns 45 anos, por exemplo, demonstrava as posições do ato sexual que desempenhou na varanda de própria casa com um vizinho, enquanto o marido calmamente via televisão na sala. Entre outras historinhas pitorescas.
Finalmente chegou O Gay Chato que prontamente enfiou no braço a minha pulseirinha colorida de estimação. Ficava me agarrando e me chamando de gostosa e me jogando pra lá e pra cá enquanto dançávamos o funk do Morro do Sapinho. Achou de criar intimidade e me dar estalinhos na boca, até que eu comecei a afastar com safanões delicados. Peguei outra cerveja e fui ajudar no boteco da minha tia, que praticamente só vende cachaça.
Servi pinga para dois mineiros, e um deles obviamente ficou a fim de mim, me deu até o telefone, anotado no verso de um cartão de visitas que não era dele. Eu teria sido mais simpática se ele não tivesse cometido o erro de elogiar meus dentes. Servi cerveja para um grupo de capixabas e um deles ficou a fim de mim também. Achei melhor fechar o bar antes que tivesse conquistado o coração de um representante de cada um dos XX estados brasileiros (depois que começaram a emancipar cidades, perdi a conta). O Gay Chato acabou sendo expulso da festa, que nem havia começado, por ter supostamente alisado de brincadeira as partes pudendas do aniversariante. Chato é que a minha pulseira foi junto com ele (minha tia se encarregou de resgatá-la, tomara tenha sorte).
Eu estava com uma camiseta da Hello Kitty por baixo do casaco, e as pessoas só me chamavam de Hello Kitty. “Ei, Hello Kitty, chega aqui!”, “Hello Kitty, meu primo quer te conhecer…”, “Ô Hello Kitty, olha pra cá!”. Eu devia estar mesmo uma gracinha. Fui tentar dormir depois que enfim resolveram cortar o bolo; tinha comido e bebido tanto que a barriga doía. O colchão era duro, o cheiro não era dos melhores, as criancinhas que estavam no chão não paravam de choramingar, o cachorro trouxe uma camisinha usada da rua e jogou na sala. Não entendi o recado, doguinho fofo, mas ALGUÉM POR FAVOR TIRA ESSA PORCARIA DAQUI.
Ensaiei um sono depois do Supercine mas fui despertada às três por um bate boca no quintal. Alguém havia aumentado muito o som e a mãe do aniversariante resolveu acabar com a festa ali, na marra. “O quintal é meu e a rua é de vocês!” foi A_Frase da noite, de uma crueza e eficiência tamanhas que tenho que me lembrar de utilizá-la futuramente. Dessa hora em diante não dormi mais, porque a guriazinha roncava pelo nariz, minha mãe estava jogada em cima de mim, eu estava enjoada de tanta cerveja, e sei lá. Não sei mais dormir na bagunça – velhice, lalala.