I need fresh air.

Na ida para o trabalho hoje me deparei com uma cena insólita. Uma aglomeração no ponto de ônibus e eu quis voltar, mas a curiosidade mórbida adivinhou a razão do tumulto e eu segui, como se guiada pelo cheiro do sangue. E sim, ele estava lá, uma poça oceânica do rubro fluido da vida – mas que naquele instante representava a morte em estado líquido.

E, repousando em suas calmas águas, uma cabeça humana esmigalhada.

Meus olhos grudaram no pedaço de osso do crânio que se expusera em fratura. Eu não sabia ainda se o morto era homem ou mulher, criança ou velho, preto ou branco. Era o pedaço de crânio saltando para fora do que antes havia sido uma cabeça que me consumia a atenção. A chuva começava a cair. O trânsito foi sendo lentamente desviado, os motoristas dos ônibus trafegavam devagar engarrafando a avenida, para que os passageiros tivessem a oportunidade de contemplar a catástrofe matinal. Desviei os meus da morte por um instante para voltar a contemplar a vida que piscava nos olhos das pessoas. Um misto de horror-com-curiosidade-com-pavor-com-alívio (“ufa, eu ainda estou vivo”).

Ainda, tolos. Ainda.
E será que estão mesmo?

Fora o interesse biológico e a obsessão com que a minha reprovável morbidez buscava analisar a cena (antes que chegasse a polícia para cobrir o infeliz com um plástico preto), havia a tristeza em solidariedade ao abandono daquele corpo. E esses confrontos com o acaso cruel me aterrorizam. Decididamente o senhor X não saíra aquela manhã de casa pra morrer, depois de tomar banho, tomar um café rápido, se vestir e pensar na praia que ia pegar no final de semana… Podia ter sido eu. Pode ser você, qualquer dia desses. E isso me poda e me estimula, ao mesmo tempo.

Fui pegar o ônibus em outra esquina. Atrasei quarenta minutos e por sorte a supervisora chegou atrasada também. Aquela cena se repetiu na minha cabeça por toda a manhã.

Muito baixo astral pra um dia só? Okay, então terminemos o post com mais um: entre os emails recebidos essa semana o da C. me trouxe um link precioso: esse. Sim, fotos de gente morta, mas a filosofia da coisa é totalmente diferente do rotten.com. Eu sempre gostei de post morten pictures, mas como se fazia na era vitoriana, onde o hábito mandava fotografar os entes queridos pós passagem – muitas vezes a única foto que se teria deles, já que fotografia não era comum. Minha família tem algumas fotos assim, o que despertou meu interesse. Só que a literatura virtual sobre o assunto é escassa. Imagens, então, nem se fala. E então eu descubro que há um livro sobre essa prática, cheio de fotos e particularidades. O nome é poético, Sleeping Beauty (vide link acima), e pelo que vi por lá o título é de fato bastante apropriado. Foi pra minha wishlist.

A morte pode ser linda. A morte pode ser pavorosa. A morte só não pode ser evitada – eis o que nos assusta e atrai.

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