Back for good.

Minha mãe já está em casa. Chegou hoje no meio da manhã, e de presente de boas vindas notou que eu havia esquecido de regar as plantas. Boa parte delas pereceu irreversivelmente. As demais eu estou tentando recuperar com uma terapia de hidratação intensiva, mas não vejo muitas perspectivas de melhora. O braço da véia está enfaixado, mas já sem os pontos. Só a cratera no meio, causada pela retirada da carne que necrosou, incomoda. E ela vai precisar, além da plástica reparadora, de uma boa fisioterapia. Mas foi atropelada por um caminhão, pessoas. O simples fato de ela estar respirando é lucro.

Com a volta dela o M. saiu de cena. E fez aniversário hoje. Fomos beber (é claro), mas rapidinho porque eu não queria deixar a véia só. E ele passou seis dias aqui comigo, brigamos um pouco, rimos muito, enchemos o saco de tanto ver acústicos na TV a cabo (descobri que o Scorpions escreve letras muito boas), ele me fez um arroz horrível e uma batata frita deliciosa, bebemos caixas inteiras de Nova Schin e comemos nuggets de frango com molho rosé – o molho fui eu que fiz… Nem tão inútil assim, eu ainda consigo misturar maionese com catchup. E quando eu o vi acenar adeus e indo embora me senti bem e mal ao mesmo tempo.

And the hell is that I need to get used with it.

Housekeeper blues

Não lavo, não passo. Minhas roupas limpas estão acabando, e as sujas habitam o interminável vão do cesto de roupas. Começo a repetir modelitos e isso depõe contra a minha imagem.

Não cozinho. Mas não me queixo do menu atual; estou comendo apenas o que gosto – ou seja, lixo. Chato é que mesmo o lixo precisa ser preparado, o que dificulta sobremaneira o processo. Mas para isso tenho meu AAA – Assessor para Assuntos Alimentares sempre a postos ajudando com as panelas. Faz uma sujeira descomunal, mas não tô nem aí.

Não lavo, não passo, não cozinho, e também não limpo.

* * *

Mamãe anda toda a enfermaria enchendo o saco alheio e quer voltar pra casa. Só depende do médico. Ela terá que fazer curativos todos os dias e se entupir de antibióticos, mas qualquer tortura é melhor do que aquele hospital. Deve voltar pra casa amanhã ou quinta. “Over to the moors, take me to the moors, dig a shallow grave and I’ll lay me down“, canta o Morrissey, e canto eu, subindo as rampas escuras, longas e desertas que dão acesso à enfermaria. As mesmas por onde, vez por outra, descem cadáveres. Ok, eu podia usar a escada, mas ando mal do coração (falo sério, preciso ver um cardio rápido) e o clima mórbido da rampa é cool. Tem uma inclusive com iluminação ainda mais precária, que leva diretamente pro necrotério. Ela é MUITO soturna. Vontade de descer pra espiar não falta.

Eu acho que tenho problemas, talvez não seja normal. Mas ficar esmiuçando características da minha personalidade para as quais eu dificilmente acharei explicação é perda de tempo. E mesmo que talvez hoje tenha sido o último dia que subi aquelas rampas, eu sempre vou me sentir feliz ao cantar esse trechinho de “Suffer Little Children”.

Inferno astral.

É mais ou menos assim: minha mãe foi atropelada por um caminhão ontem pela manhã. Ganhou um corte profundo no braço direito, com exposição óssea e tudo o mais. Não fraturou nada, mas a carne se abriu em X e ela ganhou 50 pontos de sutura, além de hematomas pelo rosto. Ouch.

O motorista, crédito pra ele, prestou os primeiros socorros e levou-a para o hospital. Tenho estado lá desde então, mas hoje vou dormir em casa. Durante esse tempo anotei mentalmente tanta coisa pra protestar aqui que, sinceramente, perdi a vontade. Basta dizer que na porta de cada quarto há uma plaqueta informando que “destratar funcionário público é crime“, com pena de até dois anos de reclusão. No entanto, destratar o ser humano ferindo sua dignidade num momento já naturalmente indigno (o da doença), não é considerado delito pela justiça brasileira.

Espero que a bichinha não pegue uma infecção.

Burn in hell.

E então o que se faz quando seu melhor amigo arruma uma namorada séria e não te faz mais companhia? E quando suas amigas passam tempo demais discutindo se vale a pena pagar mais caro num biquini da Cantão? E quando a sua outra-metade recebe uma proposta irrecusável de emprego… em outra cidade?

Se ainda estivéssemos apaixonados. Naquele sentido pleno e flamejante da palavra. Se, e somente se, então o prognóstico não seria tenebroso. Porque a paixão é autosuficiente, se alimenta de si mesma. Mas a porcaria do amor, não. A presença do outro vira pré-requisito – porque o amor até se auto renova, ao contrário da paixão; mas só com o estímulo da presença.

No MSN, agora:

unlovable says:
eu quero ele aqui pra conversar comigo.

unlovable says:
e tirar o papel de bala da minha mão antes que eu jogue na lixeira, e fazer isso ele mesmo, só pra que eu não chegue perto do lixo.

E é isso.

Agora, sobre a praia de hoje com T., S. e R. Como eu disse lá no flog, ganhei rugas e um câncer de pele. Leia lá a história completa do meu desastre, mas veja as outras fotos da “menina bicolor”, gently brought to you by Livejournal, aqui:

Primeiro, La Playa:

Agora, o camarão:

Eu mereço todo o sofrimento que passarei essa noite.
B.U.R.R.A.

I need fresh air.

Na ida para o trabalho hoje me deparei com uma cena insólita. Uma aglomeração no ponto de ônibus e eu quis voltar, mas a curiosidade mórbida adivinhou a razão do tumulto e eu segui, como se guiada pelo cheiro do sangue. E sim, ele estava lá, uma poça oceânica do rubro fluido da vida – mas que naquele instante representava a morte em estado líquido.

E, repousando em suas calmas águas, uma cabeça humana esmigalhada.

Meus olhos grudaram no pedaço de osso do crânio que se expusera em fratura. Eu não sabia ainda se o morto era homem ou mulher, criança ou velho, preto ou branco. Era o pedaço de crânio saltando para fora do que antes havia sido uma cabeça que me consumia a atenção. A chuva começava a cair. O trânsito foi sendo lentamente desviado, os motoristas dos ônibus trafegavam devagar engarrafando a avenida, para que os passageiros tivessem a oportunidade de contemplar a catástrofe matinal. Desviei os meus da morte por um instante para voltar a contemplar a vida que piscava nos olhos das pessoas. Um misto de horror-com-curiosidade-com-pavor-com-alívio (“ufa, eu ainda estou vivo”).

Ainda, tolos. Ainda.
E será que estão mesmo?

Fora o interesse biológico e a obsessão com que a minha reprovável morbidez buscava analisar a cena (antes que chegasse a polícia para cobrir o infeliz com um plástico preto), havia a tristeza em solidariedade ao abandono daquele corpo. E esses confrontos com o acaso cruel me aterrorizam. Decididamente o senhor X não saíra aquela manhã de casa pra morrer, depois de tomar banho, tomar um café rápido, se vestir e pensar na praia que ia pegar no final de semana… Podia ter sido eu. Pode ser você, qualquer dia desses. E isso me poda e me estimula, ao mesmo tempo.

Fui pegar o ônibus em outra esquina. Atrasei quarenta minutos e por sorte a supervisora chegou atrasada também. Aquela cena se repetiu na minha cabeça por toda a manhã.

Muito baixo astral pra um dia só? Okay, então terminemos o post com mais um: entre os emails recebidos essa semana o da C. me trouxe um link precioso: esse. Sim, fotos de gente morta, mas a filosofia da coisa é totalmente diferente do rotten.com. Eu sempre gostei de post morten pictures, mas como se fazia na era vitoriana, onde o hábito mandava fotografar os entes queridos pós passagem – muitas vezes a única foto que se teria deles, já que fotografia não era comum. Minha família tem algumas fotos assim, o que despertou meu interesse. Só que a literatura virtual sobre o assunto é escassa. Imagens, então, nem se fala. E então eu descubro que há um livro sobre essa prática, cheio de fotos e particularidades. O nome é poético, Sleeping Beauty (vide link acima), e pelo que vi por lá o título é de fato bastante apropriado. Foi pra minha wishlist.

A morte pode ser linda. A morte pode ser pavorosa. A morte só não pode ser evitada – eis o que nos assusta e atrai.

Happy 2004

É, eu voltei. Cabo Frio continua linda, mas não foi tão bom quanto poderia.
Fui com gente diferente e senti falta dos meus programinhas dondoca fútil wannabe. Nada de ir a Búzios pra passear pelas ilhas e comer caldeirada e fazer fotos bucólicas da Praia dos Ossos. Nada de caminhadas vespertinas pelo Canal tomando sorvete a quilo na galeria e olhando as sepulturas do cemitério do mosteiro.

A noite do dia 31 quase foi atravessada por uma moça (eu) vendo o show da virada numa casinha de bairro em Cabo Frio. Isso porque meus acompanhantes estavam mais interessados em beber cerveja no quintal enquanto talvez pela primeira vez na vida eu queria sair e ver GENTE – esses feriados de fim de ano decididamente não fazem bem para a minha cabeça. Um cara chato grudou em mim e queria que eu fizesse fotos dele pelado na praia para postar na internet com fins matrimoniais (estava muito interessado em começar 2004 adquirindo marido) e disse que ia casar de vermelho mas a recepção depois ia ser careta. E ele foi pra Praia das Dunas todo vestido de preto (ia de branco mas mudou de roupa pra me imitar, a figura) e à meia noite se despiu e mergulhou as primeiras sete ondas do ano e jogou palmas brancas pra “Iemanjar” (um doce de entidade) e pediu um esposo.

E os fogos foram lindos e eu reafirmo que fogos de artifício seriam capazes de me fazer desistir de morrer mesmo se a corda já estivesse no pescoço. Fogos são a felicidade se mostrando possível mesmo que passageira, são a vida me chamando de volta – e eu sempre atendo. Happy new year.