Rainy Sundays.

Fui ao shopping com as meninas. O antro das coroas dondocas caducas cheias de delineador e sombra verde nas pálpebras pelancudas. Eles fazem cara feia quando a gente esbarra nelas sem querer. Talvez elas acreditem que os esbarrões as farão morrer mais cedo. Se for assim, preocupação legítima.

Adquiri tralhas. Sem surtos consumistas, mas enchi algumas sacolas e parcelei minhas alegrias efêmeras em cinco vezes sem juros no cartão Renner. Eu não gosto mais de Natal, então não vou comemorar. Isso inclui não comprar presentes de Natal. Afinal, quantas vezes eu ganhei presentes que não foram nada sinceros ou quantas vezes me decepcionei com quem deu? Presentes não significam nada. Observem as atitudes de quem os cercam. E duas coisas: 1) valorizem amigos de verdade e 2) comprem seus próprios presentes. É mais legal e não tem risco de errar.

E voei pra casa achando que veria o show da turnê nova da Madonna, mas Band é Band e eu me decepcionei ao perceber que eles fizeram foi uma colagem de shows de turnês antigas (pior: apresentada pela Wanessa Camargo com o cabelo tingido de loiro dourado) ao invés de exibir a prometida “Drowned World”.

Tudo bem. Eles reprisaram principalmente a turnê do True Blue. A “Virgin Tour” de 1985 é meio fraca, apesar de eu curtir essa fase “early days”. A “Girlie Tour” eu assisti aqui no Rio… Vi a Madonna e dancei e fiquei rouca e quase fui pisoteada. A True Blue tem a Madonna com a voz e o corpo e o mito no auge. Não era playback e o vocal dela está com uma força e estabilidade incríveis (nada dos “miados” da Virgin Tour ou das leves desafinadas da Blonde Ambition – nesse caso perdoáveis, dado o esforço aeróbico intenso que ela exigiu).

E semana que vem tem especial de fim de ano na Band com Legião Urbana.
E eu ia falar sobre uma coisa séria, mas hoje não estou a fim, não. Passa amanhã.

What the frick?

Eu sempre me pergunto o seguinte: o que seria “demonstração de força”, afinal? Suportar ou desafiar? Cada vez mais a primeira alternativa me lembra acomodação ao invés de coragem.

Mas eu não vou me atirar do vão central da ponte Rio-Niterói. Até porque morrer afogada na baía de Guanabara não é a minha idéia de falecimento perfeito. Os coliformes fecais que infestam aquelas águas vão me apontar dedos e rir da minha desgraça. Fodam-se os coliformes – eu vou viver.

Só que eu vou aloprar. Já que pelos meios corretos, ortodoxos, legais e aprovados pela TFP e Igreja Católica não está dando certo, EU VOU ALOPRAR.

Aguardem cenas dos próximos capítulos.

A hard day’s night.

Tive uma noite fantástica. No mau sentido.

Às dez e meia desliguei o pc e fiquei feliz por estar indo dormir quase à hora recomendada para uma mocinha de família. Assim que meti a mão no interruptor da luz, prestes a me encaminhar para a cama, a porra do telefone toca. Eu já disse que odeio telefones umas mil e quinhentas vezes? Ainda assim, não terei dito o bastante: EU ODEIO TELEFONES. Eu devia ter feito o de sempre: ignorar. Mas o toque do meu aparelho é estridente, sabe. E eu estava numas de ir dormir, sabe. E minha mãe já tava no décimo pesadelo e não ia acordar pra atender, sabe. Atendi. MAU SAPÃO.

– Alô… (voz de Lolla puta e pra pouquíssima conversa).
– Oi, sua mãe tá acordada??

Whatever, pensei eu.

– Dormindo. Liga amanhã.
– Olha… Sou eu, Margareth, a vizinha do prédio quase aqui em frente… Presta bem atenção no que eu vou te dizer…

AH PRONTO, pensei eu.

– Tem um cara querendo pular pra dentro da sua casa… Ele tá de calça jeans e blusa branca. Tá em pé em cima do muro da casa ao lado olhando pra dentro do quintal de vocês…
– Tá legal.

Eu sou sem noção assim mesmo. Apesar de estar ouvindo algo supostamente aterrorizante, tudo em que eu consegui pensar foi: “Ok, Margareth, agora eu preciso dormir” e “que ladrão mais arrumadinho… Tia, se ele for gato me avisa que eu vou lá abrir a porta, RÁ”.

– Tá legal????
– Eu faço o quê? Chamo a polícia? – e eu disse isso sem o me-nor entusiasmo, só porque achei que deveria dizer. Acho que até mandei um bocejo nessa hora, by the way.

– Melhor subir no terraço e ver se ele realmente tem a intenção de invadir. Se você achar que sim, ligue pra polícia.

Ah, BOA. Primeiro ela achou que, tendo alguém praticamente dentro do meu quintal, eu seria louca a ponto de escancarar as portas da fortaleza pra checar alguma coisa. Fazer uma ENQUETE com o bandido. E se ela achava mesmo que havia a possibilidade de ele não querer invadir, porque ligou para meter o terror? E porque cacetes não chamou ela mesma a polícia?

– Tá bom então. Valeu. Tchau.

Click. “Ah, agora eu vou dormir!”, pensei eu. Mas a alegria durou pouco. A Margareth é amiga da minha mãe. Outra das desocupadas que vivem gravitando em torno dela. Amanhã, CERTEZA, ela vai tocar no assunto. E minha mãe vai me fritar em dendê porque eu não avisei. Imagina só. Um “mau elemento tentando invadir a residência”, e eu fui dormir. Que absurdo!!!

Absurdo era o meu SONO. Mas tá bom, vamos à boa ação do dia. Acordei a velha: “mãe-a-vizinha-ligou-e-disse-que-tem-alguém-pulando-o-nosso-muro-boa-noite-me-acorde-às-seis“.

– HEIN???????????

Porra. Fodeu, fodeu, fodeu.

Nos sessenta minutos que se seguiram a isso, ela surtou. Ligou para TODOS os telefones de amigas num raio de vinte quilômetros. Ficou recebendo ligações de volta de cada uma delas. Acendeu velas e orou. Me fez ficar de guardiã com os olhos grudados no visor da porta principal. Rastejou feito uma lagartixa pela casa, olhando por debaixo de frestas de portas. Fritou um ovo pra comer. Sequestrou um balde para o próprio quarto, com objetivos nada nobres. Eu bem que tentei ir pra minha querida cama durante o período. Não deu. O telefone tocava a cada dez segundos. A cada toque, uma desocupada diferente tocando O Terror Psicológico à la Hitchcock.

Finalmente, uma soneca de meia horinha. Da qual fui acordada à meia noite, com o ruído da porta da frente sendo escancarada. Bom, OU o ladrão conseguiu o que queria OU minha mãe pirou de vez e está abandonando o navio, feito os ratos. Abro a porta do meu quarto, esfregando os olhinhos no meu pijaminha de malha rosa listradinho e pantufa amarela e dou de cara com TRÊS POLICIAIS MILITARES, arma em punho, no meio da minha cozinha.

– A saída pro terraço é aqui, dona?

What. the. fuck.
Minha mãe apontou a subida, olhar grave. Nesse instante eu percebi que estava fodida e mal paga. Tranquei a porta do quarto, fui dormir e dormi mal; um sono povoado de pesadelos monstruosos. Acordei às seis e são os meus restos que digitam essa porcaria aqui, agora.

Eu acho que preciso ir dormir.
Por precaução, o telefone já está fora da tomada. Os DOIS.

Heart of glass.

Eu não sei o que faço aqui.
E sei menos ainda o que vocês fazem aí.

Para mim tudo é meio estranho agora. Parece que estou presa dentro de uma garrafa de vidro em exposição e todos do lado de fora me observam. Mas não me sinto mal porque vejo que todos eles também estão dentro de garrafas. Alguns se dão conta disso, outros não.

Talvez os que não percebam sejam os mais felizes. Eles apontam dedos para os outros e rolam de rir. Só que o fato de parecerem felizes não quer dizer que de fato estejam. Tomara que estejam. Se é para ser prisioneiro de uma garrafa de vidro e nem saber, é melhor que pelo menos a ignorância os deixe felizes.

Os que percebem não riem. Sofrem, mas há um paliativo: sabem que está em seu poder quebrar o vidro, sair das garrafas e respirar.

Mas que porcaria de vidro DURO, esse.

I’ve got a cold.

Resfriada, ouvindo Nina Simone e bebendo suco de groselha. Eu sou cool. Ainda estou puta com pessoas, mas deixa pra depois.

Um CD do Erasure. Coletânea. Bom ao cubo. Comprada há uns bons anos atrás, na época em que havia uma loja da Mesbla no Passeio, RJ. No tempo em que havia camelôs vendendo CDs roubados em frente a essa mesma Mesbla. No dia em que vi uma moça ser arremessada contra a vitrine de vidro dessa mesma Mesbla, por um “segurança” porque deu barraco depois de ser acusada de estar roubando um CD.

Saí morta de medo de o alarme apitar pra mim por engano e comprei um CD na mão dos camelôs. O segurança olhava de longe, com aquela cara de “ordens são ordens”.

Sangrou um pouco a testa da moça. E eu nunca mais dei um centavo à Mesbla, que faliu tempos depois.

Máquina do tempo.

De tempos em tempos eu recebo um ou outro email de gente que eu não conheço dizendo que eu sou legal e que eles acompanham assiduamente minha vidinha. Eu gostaria de conseguir fazer algo assiduamente, mas falta foco. Acho um site bacana e penso “Foda, vou ler todo dia!”. No dia seguinte já nem lembro o endereço. O mesmo com programas, novelas, pessoas. Não consigo dizer “presente” todo dia, nem a pau.

Mas às vezes, de bode no trabalho, leio a coluninha tosca e mal escrita do Lucio Ribeiro na Folha Online. Ele diz (e eu acredito) que tem gente que escreve até pro Ombudsman do jornal se queixando quando ele atrasa a atualização. Eu acho a coluna dele meio chata hype wannabe e aquela mania de escolher uma bandinha escrota qualquer a cada semana e dizer que é a melhor coisa do planeta na atualidade me dá preguiça. Mas eu sou uma chata wannabe também e tenho leitores; ou seja, a única diferença entre o Lúcio e a Lolla é que ELE recebe salário pra ser poser.

O pior é que eu sou uma idiota e gosto de conferir as bandas antes de falar mal. Lá vou eu gastar tempo e conexão à internet baixando músicas do Rapture, do Elefant, do White Stripes e afins pra ver qual é. Pra cada acerto, 20 arrependimentos. Strokes é uma das bandas mais sem graça que já ouvi na vida. Se os anos 90 foram um limbo musical, o novo milênio caminha a passos largos pra redirecionar a escala evolutiva da música ralo adentro de um bidê.

Estava eu no ônibus hoje voltando pra casa quando a Elis Regina apareceu no dial cantando “Como nossos pais”. É certo que “o novo sempre vem”, mas, e se o novo por acaso for ruim? Tem mesmo que renegar o passado só porque ele é passado? Devemos achar o passado cafona só porque a fila anda? Será que o “vamos em frente porque atrás vem gente” é uma verdade indiscutível?

Eu andava com meu pai pelo subúrbio onde ele passou a juventude e ele me dizia que as favelas sempre existiram, mas os “bandidos” daquela época respeitavam mulheres e crianças, não mexiam com trabalhador e resolviam suas pendengas na ponta do canivete. Evolução não é tudo. Eu tentei dar uma chance ao futuro, e me arrependi. Uma máquina do tempo, por favor.

Dark circles under our eyes.

Eu estava de costas para um dos pilares do coreto. A tarde indo embora rápido demais, mas deixando acesas a luz das estrelas. O vento me dava tapinhas no rosto, como se irritado com a minha tolice. Ele estava ali, eu estava lá, nos braços dele, eu sentia a ponta dos seus dedos nas minhas costas. Minha boca a centímetros da pele do seu pescoço. E eu estava em pânico. Um pânico tão grande que eu não conseguia me lembrar de que devia estar feliz.

De repente os lábios dele tocaram a minha testa. Nem vou falar no efeito de descargas elétricas que isso causou, porque é um clichê – mas são descargas elétricas. Não direi que foram cócegas em todas as células do meu corpo porque não foram. Ou melhor, foram também. Mas as descargas elétricas… Quem descreveu primeiro dessa forma o efeito do toque dos lábios do seu deus particular na sua testa, estava com a razão. E nunca será desmentido.

– Eu quero aquele beijo agora.

“Não, você não está dizendo isso”. Eu pensei enquanto sentia os lábios dele se moverem colados à minha pele. Frio na barriga, calor no peito, eu estava num estado de multi-temperaturas. O pé estava morno. A boca seca, desértica. Um rolo compressor me comprimia os membros e o pulmão, eu não podia me mover e nem respirar, e meu cérebro tinha virado vitamina de banana. Ou sopa, pois minha cabeça fervia. Tive até medo de queimar os lábios dele que, sempre colados à minha pele, falavam coisas que eu não era mais capaz de ouvir. E eu tinha certeza que o meu coração batia tão forte que tamborilava no peito dele. E ele era um idiota se não percebia. Os braços que envolviam a minha cintura machucavam, desacostumada que eu sou de carinhos. Não, ele não pode estar me pedindo um beijo. Porque eu não posso negar, mas eu preciso negar.

– Eu não posso.

– Por favor.

Não peça, pensei. Mas ele não ouviu. E pediu teatralmente, rindo com os lábios que estariam nos meus tão logo eu permitisse, mas algo na respiração dele traía nervosismo. Eu estava aprendendo a ler a respiração dele, os sinais do seu corpo. Bad news.

Só que não ia ter beijo. Ora Diabos, eu sou uma menina triste. Eu ouço músicas tristes em dias chuvosos, eu vivo com gente tosca, eu passo tardes sendo poser lendo poesia ruim em cemitérios, eu não me lembro mais do rosto de algumas pessoas que amei, eu troquei amigos por um diário e choro em comédias porque elas me lembram que eu não sei rir. Meninas como eu não beijam. Meninas como eu jamais terão na boca outra língua que não seja a própria. Meninas como eu não se deixam tocar. Meninas como eu não sentem coisas. Ok, eu sinto coisas e continuo sendo eu apesar disso. Quem sabe se eu fizesse as outras coisas não poderia continuar sendo EU também?

Não. Não vale a pena arriscar. Eu não vou trair o “movimento das meninas tristes solitárias”, o “movimento das meninas mal-amadas porque não conseguem amar”. Eu não vou cruzar a fronteira. Não vou ultrapassar a linha amarela. Não vou dar uma reviravolta de não-sei-quantos graus na minha vida. Não cabem reviravoltas na minha vida. Só as que me jogam no chão. E ele não era o chão. Ele era o céu, o paraíso, o horizonte com luzinhas de estrelas histéricas faiscando. Ele era tudo o que eu não podia tocar, porque eu não merecia.

Eu não vou destruir com um beijo real a mágica que é fantasiar beijos improváveis, noites a fio. Eu não vou trocar as noites que ardi abraçada a um travesseiro fervendo de desejo por noites abraçada a um homem que me fará virar outra pessoa. Eu não sei se quero ser outra pessoa. Não sei se quero evoluir, feito um Pokémon. Eu não vou renegar meu lado fracassado. Até porque ele é o único que tenho.

– Eu queria que a gente fosse só amigos…

E ele devagar ele afastou o corpo do meu. Ia me dizer alguma coisa crucial, mas eu nunca saberei o que era pois feito a idiota que sou o interrompi com uma observação estúpida:

– Seus olhos estão tristes.

E estavam. Era como se alguma das múltiplas luzinhas que piscavam desde sempre dentro deles tivesse queimado, e em efeito cascata, todas as outras fossem se apagando. Isso. Havia um curto circuito dentro dos olhos dele. Sem incêndios farfalhantes, só o apagar melancólico das luzes que iam morrendo. Perguntei o que era.

– Nada. Peito pesado, sei lá.

“Sinal de que tá cheio”, eu respondi. Nossa mãe. Naquela tarde eu havia pedido para ser imbecil e estava abusando da permissão.

– Não. Coração vazio é que pesa.

– Haha, corações desafiam as leis da física? (eu avisei)

E então ele riu. Mas eu podia jurar que não estava feliz.

– Não obedecem a lei alguma.

Talvez fosse verdade. Mas eu não sabia. Eu só obedecia às minhas.
Por mais estúpidas que possam parecer.

Morfeu writes.

E então eu estou cansada, e isso não é novidade. Sonhei que a Kelly Key estava sendo perseguida por uma matilha de dobermans portadores de hidrofobia. E depois ela acabava contraindo a doença dos cachorros e passava seus últimos dias babando pelos cantos, sufocando na própria saliva e por fim morria de asfixia quando seus músculos respiratórios paralisavam. Antes disso ela teria parido sétuplos. Sete seres híbridos, com cara de cachorro (os dobermans) e rabo de piranha (a Kelly Key?), vestindo boina de veludo, minissaia plissada e meias 3/4 listradas. COMO seres com rabo de PEIXE fariam para usar meia 3/4, eu não sei. Reclama com Morfeu, que é quem escreve o script do meu sonho.

O sono é uma espécie de ensaio para a morte. Que horrível.

O mundo é dos sem noção.

Os sem noção são foda. Eles não entendem problemas da vida real, pessoas da vida real, porque eles vivem num mundo à parte – o mundo dos sem noção.

Eles não conseguem admitir que alguém possa estar querendo sumir e, no instante seguinte, um balde de pipoca com manteiga. E quando acham que você está fodida te mandam textos de auto-ajuda por email, acreditando que vão te fazer enxergar o mundo com outros olhos, que sua vida jamais será a mesma depois de assistir slides de powerpoint com fotos de bebês ou bichinhos servindo de background para mensagens edificantes. E oh, como eles têm A Visão, e souberam te enviar aquele lixo no momento certo. Haja perspicácia e senso de superioridade.

Essas coisinhas bonitinhas são escritas para pessoas ideais em condições ideais, tipo aquelas leis de física que não se aplicam realmente na prática. As pessoas da vida real não se comportam feito personagens de livros de auto-ajuda. Elas têm problemas reais em seus mundos reais, feitos de pedra, fumaça, suor e gente.

E é por isso que eu tenho essa preguiça de paulos coelhos, laires ribeiros e artures das távolas. E de quem repassa esse tipo de email. Esse sentimento de superioridade em frente à desgraça do outro. Como o camarada que polui o ar com o escapamento do carro a semana toda no trânsito, e no fim de semana come alimentos orgânicos e lava a louça com detergente biodegradável, crente que está fazendo a parte dele pra salvar o planeta. Ou o McDonald’s, que vende a preço exorbitante aquela comida cheia de gordura, açúcar e sal, veneno dentro de caixinhas de papelão colorido, e depois promove o tal McDia feliz pra ajudar crianças com câncer. Pra limpar a consciência? Quem dera. Na verdade eles faturam nesse dia, porque ninguém vai pra lá só pra comer big mac (o lucro da batatinha, o refrigerante e o sundae vão pra empresa).

Mas nem sei pra que falar nisso. Que se dane. Mas se você achar que eu estou mal algum dia desses, sei lá, diga um “sinto muito, posso ajudar?” ou “Vá se foder”. Qualquer coisa é mais sincera do que me mandar um texto edificante.

Day of the dead.

E hoje eu fui pro cemitério. Não pro de Inhaúma vsitar o meu padrasto (nem minha mãe foi). Fui no São João Batista. Eu sabia que ir dar merda. Tumulto. Mas eu estava com uma sensação esquisita, não queria ficar em casa. Acho que, inconscientemente, nem foi pra isso que eu saí. Cismei, pus a câmera na mochila e rua.

Cheio, claro. Mas não tanto quanto eu esperava. No meio das sepulturas, eu observava as pessoas. Estou habituada a cemitérios; como sabem, pirigótica. Curioso que depois do advento da câmera digital eu não tenha feito nenhuma imagem. Não foi diferente hoje: um tempo depois que entrei avistei uma garota de jeans e cabelo castanho claro muito liso preso num rabo-de-cavalo. Era uma conhecida minha, da primeira faculdade que fiz. A querida avó dela morrera há pouco mais de um mês.

Passamos por anjinhos barrocos e velas apagando na chuva. Caminhamos até a sepultura da avó e fiquei lá sem saber o que dizer, onde colocar as mãos, essas coisas. Ela me contou histórias da infância, da avó que a tinha criado porque a mãe saiu de cena quando ela ainda nem andava. Ouvi, abracei e a deixei sozinha com seus pensamentos. O pai estava doente e não pôde vir, o irmão não estava nem aí. Ela veio só.

Enterros… O primeiro que acompanhei foi o do meu padrasto. Das vezes anteriores, quando eu estava num cemitério lendo tumbas e vinha chegando um féretro eu saía apavorada (porém ao mesmo tempo cheia de curiosidade). A verdade é que eu odiei ver aquela pessoa que conviveu comigo por tantos anos sendo enfiada numa gaveta, coroas de flores e homenagens amassadas e empurradas com violência pra dentro e por fim o cimento fresco vedando a parede e encerrando 61 anos de vida e experiências em um espaço de 2x1m.

Eu prefiro ser cremada.

Minha mãe hoje se lembrou do enterro do Tio Dutinho. Gente simples, vida longa que findou num câncer. A família levou flores baratas para um cemitério que ficava no topo de um morro. Uma cruzinha aqui, outra acolá bem longe, poucas sepulturas – a maioria enterrada no chão. Lá embaixo as luzes dos quintais das casas acendiam ao entardecer. Minha mãe achou que ele estaria feliz ali. A impressão foi a de que os parentes do meu padrasto queriam “acabar logo com aquilo”. Não apenas porque a situação era dolorosa, e sim porque havia outras coisas com as quais se preocupar: herança, negócios, carro, dinheiro, inquérito. Tanto que ofenderam minha mãe durante o enterro e mal esperaram o corpo esfriar pra cair em cima do espólio feito urubus. Eu prefiro ser enterrada como indigente do que por “famílias” feito essas.