Love. Does. Not.Fit.

Dormir à tarde é muito, muito bom. Dormir é uma coisa engraçada. Dormir pode servir de fuga. Por isso as pessoas depressivas dormem demais. O sono é uma semi-morte, e a morte é a Fuga das fugas. Para aqueles que não têm coragem, ou vontade, de cortar os pulsos: pílulas de dormir. Mas em quantidades corretas, para que não se cruze a ponte antes do tempo.

Morfeu guarda a entrada da ponte, e nos convida a atravessá-la até a metade. Lá embaixo corre um rio de águas revoltas, mas que estranhamente consegue refletir coisas. E refletidas nessas águas, cenas alegres e tristes das nossas vidas. Talvez a gente não se lembre delas se voltarmos para trás. Não nos lembraremos se continuarmos a cruzar a ponte. Mas ei, Morfeu chama! Não caminhe além da metade da ponte! Mas nós caminhamos. É como se os pés não obedecessem mais. E, olhando para baixo, notamos que as águas vão ficando mais calmas. Só que justo agora, estranhamente, não há mais reflexos. Não há mais cenas, nem tristes, nem alegres. Não há mais sentimentos em nossos corações por elas. Não há mais a voz de Morfeu, nos chamando de volta. De repente não há mais rio. De repente não há mais ponte. De repente não há mais nada.

Morrer deve ser assim, porque é assim que eu quero que seja.

Se as pessoas soubessem o quanto aprecio a sinceridade, não mentiriam para me agradar. Mas elas também deveriam saber que há palavras que não podem ser ditas. Há palavras proibidas. Principalmente para pessoas que se conhecem há pouco tempo. Há palavras que só podem ser trocadas entre almas irmãs. Almas que se escondem debaixo da escada pra trocar segredos que não doem, porque nunca foram segredos (almas irmãs sabem tudo umas das outras sem a necessidade de palavras). E então eu fico triste. Triste porque acho que estou sozinha debaixo da escada. Não que isso seja ruim – não é. Mas eu estava começando a raciocionar burramente e a fantasiar coisinhas, como um futuro colorido feito um pote de jujubas em cima da geladeira. Para uma criança encantada, que no entanto não pode alcançá-lo. Mas a simples visão das balinhas enlouquece os olhos, enche de água a boca e promete um futuro próximo com sabor de açúcar.

Aí chega a mãe da criança, pega o pote de cima da geladeira e a) diz que o pote é de uma vizinha, que pediu para guardar ou b) mostra que não são jujubas, mas sim contas coloridas de plástico.

O que era doce, agora, tem gosto de polipropileno. O que era pra ser macio endureceu, e não tem cheiro de nada.

Eu estou triste. Meu coração está do tamanho de uma ervilha. Mas eu não estou chorando porque eu já sabia. Eu nasci pra ficar sozinha. Sem almas irmãs. Convivendo ocasionalmente com pessoas. Mas de longe. Porque de perto, elas têm espinhos. TODAS elas. Eu me sinto confortável assim, de longe…

Mas às vezes eu queria ter alguém pra brincar.

Filosofia barata.

(página de diário, anos 90)
Eu me lembro de quando a vida era simples, e como era fácil fazer as transições do dia-a-dia. Eu me lembro quando coisas comuns como a chuva me deixavam feliz, e de como era fácil desistir de se proteger dela e tomar banho de chuva, na rua.

Eu me lembro de quando o maior problema na vida era quando a cabeça da Barbie saía (quem brincou de Barbie sabe o quanto era difícil recolocar…).

E eu queria esses dias de volta.

Os dias em que você podia estar morrendo de ódio de alguém, e ver tudo isso passar em questão de minutos. Dias onde ver uma borboletinha amarela com um desenho bonito nas asas me deixaria estupidamente feliz. Eu quero que duas ou três palavrinhas voltem a ter o poder de resolver todos os problemas. Quero voltar a enxergar através das coisas mais corriqueiras e ver a graça única que todas elas guardam. Quero que a reconciliação de grandes amizades abaladas venha tão fácil e sincera quanto dizer: “vamos ficar de bem?”.

Agora, nada é tão simples.

Eu sou adulta, e com problemas de adultos. Pensei que eu seria muito velha quando isso chegasse, mas eu me sinto jovem e infeliz por ter visto isso tudo chegando tão antes da hora. Problemas, problemas e problemas.

Problemas que eu gostaria de poder resolver, mas principalmente, problemas que eu gostaria de jamais ter tido.

Rainy days are beautiful…

…mas nem tão belos quando se quer voltar pra casa numa quarta feira calorenta, desaba aquele aguaceiro e você lá, sem guarda chuva, vestindo roupas pesadas que pesam ainda mais depois de molhadas.

Mas não foi o que aconteceu hoje. Podia ter sido, mas eu tive alguma sorte, e quando a chuva desabou eu estava dentro do ônibus – e antes que eu descesse ela serenou. Obrigada, chuva, por me proteger e por me deixar assistir de camarote (voltei pra casa sentada, e na janela) o espetáculo do “céu noturno” às quatro e meia da tarde, das nuvens cinza chumbo se espalhando num céu que lutou enquanto pôde para se manter claro, do estrondo (para mim encantador) dos trovões se aproximando, e é claro, os relâmpagos. Eu adoro relâmpagos. Grossos e fartos, atraídos pelos pára-raios, transformando o céu num enorme letreiro de neon. Tem gente que bate palmas pra pôr-do-sol na praia. Eu queria aplaudir tempestades de pé.

E nós, as pessoas correndo pra se proteger da chuva? Acho engraçado. Devíamos relaxar. O que se perde, enfim, chegando-se em casa ensopado? Nada. Água não mata. O problema é que a obsessão por fazer as coisas do modo certo mata as vontades. E então preferimos não estragar o penteado ou não molhar a camisa nova do que nos permitir sentir o carinho meio sem jeito que os pingos duros de uma chuva forte fazem na pele. Senti saudade de um bom “rain shower” hoje, ao ver pessoas buscando marquises enquanto um mendigo parava sereno dentro de uma poça d´água. Só os mendigos são felizes.

É bastante sintomático que a maioria das pessoas que foram (ou são) significativas na minha vida, tenham dividido um banho de chuva comigo. Deve ser uma espécie de batismo. Saudade de me enfiar debaixo de um chuvaréu. Mas será que ainda consigo ligar o dane-se e não me preocupar com a roupa, com os livros dentro da bolsa, com o tênis que pode descolar a sola na água?

Tomara que sim.

Quando eu era criança, só tinha medo dos raios nessa hora. Sim, todo mundo já ouviu histórias horríveis de raios matando gente… E as avós: “não pegue o telefone enquanto estiver chovendo”, “não fique perto de espelhos, nem debaixo de árvores”, “não segure nada de metal”… Um medo bom, um risco calculado, que fazia o meu coração acelerar de susto-prazer-suspense quando o céu se iluminava. Eu vou saber, depois do próximo banho de chuva, se eu finalmente virei adulta.

Tomara que não.

Porque hoje é sábado.

O telefone nem ameaça tocar. Bani meus contatos.

O bina pifou. Mesmo assim, não atenderia a chamada. Do outro lado da linha pode haver de tudo. Não gosto de surpresas.

Mas o telefone não toca. É sábado, as pessoas têm medo de mim e precisam realizar seus sonhos – que eu sempre mato.

As amigas comprometidas fazem o programa básico de todo o fim de semana com o namorado. Sempre o mesmo programa, em todo fim de semana, até que o cara se encha do programa, se encha delas e elas se encham de lágrimas no sábado sem ele.

As amigas solteiras programam idas ao Bar do Bolla, à Bunker, ao Santa Fé, ao Amarelinho. Depende da tribo. E depende de onde o candidato a namorado da vez esteja freqüentando – só que para FUGIR delas. E elas fingem não perceber.

É sábado, as pessoas TÊM que sair. Passar o sábado em casa, imagina que absurdo!

As rádios são maravilhosas aos sábados, eles tocam o que deixaram de tocar há muito tempo porque era bom demais e os ouvintes não pediam pra ouvir. Afinal, eles não estão ouvindo, mesmo – sábado é o dia de não ouvir, sábado é o dia de FAZER acontecer. De ir pra night, comer pipoca na praça, de subir no terraço de casa e tomar banho de borracha/mangueira, de fazer as unhas, de enrolar o cabelo, de testar aquela máscara de pepino Ó-TI-MA pra pele, que elimina rugas de ansiedade oca e o inchaço dos olhos que não dormem.

Dia de soltar pipa. Dia de andar para cima e para baixo, sem rumo na rua e na vida, só “pra ver qual é” e passar de short curto na frente daquele gatinho, quem sabe ele me olhe, e… Não, ele não olha. Está cortando no serol a pipa daquele mané que ele não suporta. Isso vale mil gatinhas de short curto. Porque elas sempre existirão, mas cortar a pipa daquele escroto… chance única.

Dia de assistir vídeos. De fazer e comer aquela pipoca ruim de microondas. Mastigando o vácuo de uma existência sem nenhum objetivo ou prazer aparentes. Dia de ouvir toda a sua coleção de CDs do Jehtro Tull. Dormir à tarde, brincar com as crianças e sentir-se normal e saudável, e até feliz por fazer isso. Feliz pela sua vidinha repetitiva e medíocre dar tão certo e você se sentir abençoado por ter feito o que, no fim das contas, qualquer um acaba fazendo.

Hoje é sábado, crianças. Go outside and get a life. A real one.